Chegar a casa

Mesmo na adolescência, estivesse fechado no quarto a jogar computador, a ler ou a escrever má poesia, mal ouvia a fechadura a rodar, lá pelas sete e meia, oito da noite, saltava da cadeira e ia receber o meu pai à porta de casa. Não era a altura de ficar a conversar, perguntar pelo dia ou pedir dinheiro para comprar mais um livro de quadradinhos. Antes sequer do meu pai pousar a mala, pendurar o casaco, tirar a gravata e iniciar o processo de descompressão do dia, já eu o tinha cumprimentado e regressado à minha vida.

Desde muito cedo que tenho a imagem da minha mãe, que normalmente nos ia buscar à escola, a dizer “vai cumprimentar o teu pai”. Claro que se deve cumprimentar qualquer pessoa que nos visita em casa, mas não são todas as pessoas que nos fazem abandonar o que estamos a fazer, quer tenhamos cinco, dez ou vinte anos, e ir disparados em direcção à porta de casa, não por obrigação, mas porque sim.

Foi assim até aos vinte e tais (morar em casa dos pais – mediterranean style), e mesmo quando morava com amigos, lembro-me de achar estranha a sensação de ouvir alguém chegar a casa e não fazer nada. Não estou a dizer que queria abraçar ou beijar os meus flatmates, um plano arriscado, sobretudo se pensar no irlandês alcóolico com que morei uns meses, mas tinha essa sensação de que devia fazer qualquer coisa. Uma sensação semelhante à que tenho quando dou por mim a pensar se, quando estão a servir as refeições no avião, devo esperar que o desconhecido sentado ao meu lado comece a comer.

Hoje em dia, entrar numa casa e ser logo recebido por dois cães, a pessoa que escolhemos para nos aturar todos os dias e um bebé sorridente é das melhores sensações do mundo. É comum os pais recentes comentarem essa sensação de ver o filho quando se chega a casa, uma espécie de reset ao dia que passou sob a forma de injecção de felicidade.

Mas dei por mim a pensar na diferença de sermos nós a ir ter com o bebé, sobretudo nesta fase em que a maior proeza locomotiva de que é capaz é virar-se de barriga para baixo, com a altura em que passam a ser eles a vir ter connosco. A altura em que a mãe – ou o pai, se chegar antes a casa – lhe vai dizer: “Mexicano, vai falar ao teu pai – arriba muchacho, andale, andale!” (talvez esteja a entrar demasiado na personagem). E a diferença que devem fazer esses cinco, dez ou quinze metros.

É que chegar a casa depois de um dia de trabalho é uma pequena vitória. É um suspiro de alívio em relação à parte pior do dia, ou a menos boa, dependendo do grau de satisfação com aquilo que fazemos. A disposição mental de quem entra em casa ainda está num plano diferente de quem já lá está. E qual a melhor maneira de minimizar essa assincronia, essa sensação de que se está de fora desse mundo, sobretudo quando se chega tarde, do que abrir a porta e ver de imediato o rosto de uma das coisas mais importantes da nossa vida? Mesmo que seja um adolescente borbulhento com a neura amplificada por ter de interromper um momento de auto-comiseração, ou o ressacado que acorda às cinco da tarde no Verão. É que aquele momento não é deles – é do pai. E deve ser um dos melhores momentos do dia.

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5 Comments

  1. same here.
    uma vida inteira a levantar-me subitamente ao som da chave na fechadura.
    estava a pensar nisto mesmo há uns tempos, e sim, a meia dúzia de metros faz diferença.
    No 1º semestre ia eu, no 2º semestre ia ter comigo ao colo da mãe e desde o um ano já vem receber-me à porta sozinha.
    funciona como um portal de um estado de espirito para outro diametralmente diferente, para melhor.
    abraços

  2. Eu também fui educada a ir dar um beijo ao meu pai sempre que chegava a casa (quando já não me ia buscar à escola, que foi sempre até aí aos 12 anos). Aliás, ainda hoje, quando estou lá em casa, quando me levanto de manhã vou dar um beijo ao meu pai.

    Aliás, quando ainda estávamos nos states (até ao meu ano e meio), a partir de certa idade (não sei exactamente quantos meses) estabeleceu-se a rotina de que todos os dias, quando o meu pai chegava a casa pelas 17h30, ir passear comigo ao parque, e a minha mãe contava que eu começava a ficar super excitada perto dessa hora pela antecipação da sua chegada e passeio diário. 🙂

    • Ah, e ainda hoje também, se chego a casa depois de sair à noite e ele ainda estiver acordado (luz acesa no quarto) também vou lá dar um beijinho de boa noite.

  3. Concordo! A chave na fechadura sempre teve em mim e nos meus irmãos o efeito mola e agora compreendo como era importante, pois é das melhores sensações ser recebida pela minha filhota.

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