Viroses

Foi no Brasil que me explicaram pela primeira vez o que era uma infecção viral comum. Estava de férias, acordei com febre, mal-disposto, cansado, e os meus pais resolveram chamar um médico.

Era um daqueles médicos nova geração, também se apanham cá, que gostava de explicar as coisas em termos leigo-científicos. Explicou-me que os sintomas eram, por norma, o sinal de que o corpo já estava a combater o vírus. Que o que se deve fazer é deixar o vírus correr o seu curso. Que os remédios comuns aliviam os sintomas, não eliminam o vírus. Isso o corpo faz sozinho. Lembro-me perfeitamente dele ter-me explicado isto, e aceitar que ia passar dois dias no quarto de hotel a ler e a ver episôdios dublâdos do Seinfeld e do Friends.

Uns anos depois voltei ao Brasil, dessa vez em viagem de finalistas, e apanhei outra vez uma infecção viral comum. Era parecida com a outra, mas tinha sentido de humor, já que, além da febre e má-disposição, trazia também diarreia e vómitos constantes.

Um terço, talvez metade, do grupo – incluindo eu, que adoro actividades de grupo – sucumbiu ao bicho. Cinquenta portugueses barbudos e descabelados a defecar e a vomitar em Salvador durante dois dias, deve ter sido tal e qual nos descobrimentos. A organização da viagem chamou uma médica para “atender” os desafortunados. Gastei 100 dólares para ouvir um “descanse e beba líquidos, recomendo gatorade de uva”. Devia ter-me lembrado do que ensinou o outro médico e ido para a cama, tinha poupado 100 dólares.

(talvez seja relevante referir que antes da consulta, e depois de ter passado parte da manhã e da tarde e libertar-me de qualquer elemento líquido ou sólido que estivesse no meu corpo, resolvi desmaiar numa farmácia, tendo sido amparado pelos braços empáticos de Fernando, o motorista de táxi, que depois me levou para sua casa, onde me ofereceu um chá milagroso e a oportunidade de passar 20 minutos a olhar para o betão exposto do tecto do quarto da filha – mas deixarei essa história para outro dia)

Talvez tenha sido por este conjunto de experiências que aceitei bem que, quando os meus filhos têm viroses simples, não existe muito a fazer que não seja gerir as suas lamurias e delírios febris.

Nem todas as pessoas da família mais próxima, certamente porque nunca desfaleceram nos braços de um bahiano, percebem bem este conceito da virose como algo que se resolve sozinho, o que por vezes dá azo a diálogos mais tensos entre o “deviam levar o miúdo ao médico” e o “vamos esperar mais um dia e ver se passa, não tem sintomas graves”. Um dia chegaram mesmo a gracejar passivo agressivamente que isto das viroses era “uma das vossas modernices”.

Esta semana acrescentei mais uma constatação sobre viroses à minha existência. O que antigamente se parecia resolver em 36, 48 horas, hoje, com 40 anos, demora quase uma semana para tratar. Menos mal que não perdi os sentidos em lado nenhum, pois nem sempre estarão uns braços fortes para amparar um homem de um metro e noventa e noventa quilos. Como daquela vez em Amesterdão em que desmaiei, sozinho, e não muito longe de um canal. Mas aí não posso culpar nenhum vírus. Não sei se deixarei essa história para outro dia.

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