Vegetarianos em part-time: comer menos carne

Em 2008 saiu um documentário chamado Food, Inc. sobre as práticas da indústria alimentar. O documentário está bem escrito, investigado e, por vezes, é chocante. Sei isto pelo que li das críticas, e através do que alguns dos meus amigos vegetarianos (mas não só) disseram. Estive imenso tempo para ver o filme, e a dada altura percebi que estava a adiar fazê-lo, porque senti que teria de confrontar-me com uma série de questões incómodas sobre a minha alimentação, e em particular o consumo de carne.

Para ser honesto, entre a fortitude moral de me recusar a consumir proteína animal e a ideia de deixar de comer salsichas, preferi continuar a ter uma alimentação com poucos conflitos éticos.

Bone marrow parsley salad bourdain
E a ocasional medula assada no forno com sal grosso, acompanhada pela salada de salsa e chalotas da receita do Anthony Bourdain.

Infelizmente, ou não, a realidade tem sempre maneira de vir ter connosco e fitar-nos com olhos de carneiro mal morto (desculpem o trocadilho). Culpo Yuval Noah Harari, que no esmagador e muito interessante Sapiens: Uma Breve História da Humanidade, num dos capítulos sobre a nossa transição de tribos de caçadores-recolectores para sociedades agriculturais, dedica umas páginas ao impacto que essa mudança teve para alguns dos animais que cá andavam.

O livro descreve com algum detalhe as condições necessárias para a domesticação do que hoje chamamos “animais de quinta”. E consegue ser muito pior que a teoria sobre a humanidade ser responsável pela extinção de quase toda a megafauna que vivia no planeta há cem mil anos.

Não digo que não seja justificável que o homem, para sobreviver e prosperar, tenha desenvolvido estratégias para dominar e contrariar os  instintos naturais desses animais, de forma a aproveitar o seus recursos. Mas é importante sabermos o que isso implica, sobretudo hoje em dia, para seres vivos que têm capacidade sofrer. O exemplo que dá, com algum detalhe, da existência miserável e constante de uma vaca cuja única função na vida é dar leite, é particularmente perturbador.

Na realidade, se quisermos ser picuinhas, não mudou muita coisa. Passámos de ser um animal que caça e come outros animais, para um animal que enjaula, tortura, mata e come outros animais.

Mas, visto por outra perspectiva, são só dois verbos de diferença.

Não estou aqui a dizer que tive uma revelação ou momento de mudança profunda. Tem sido um acumular de coisas. Juntando isto às preocupações mais antigas, ainda que vagas, sobre os antibióticos na carne, os corantes no salmão, os mercúrios no peixe, e o impacto que a produção de carne tem no nosso ecossistema, tivemos de começar a encarar o assunto.

Em relação a frutas, legumes e vegetais, já há alguns anos que subscrevemos aqueles cabazes de produção local, que cobre a maior parte das nossas necessidades (excepto bananas, connosco a máfia bananeira continua a safar-se, lamento). Não é por causa dos alimentos geneticamente modificados, tipo as cenouras laranjas, mas podemos falar nisso noutra altura. É mais pela questão da sustentabilidade e saber de onde vêm as coisas, e até tem piada comer os vegetais de acordo com a época deles.

A minha cara quando, depois de meses sem vê-los, aparecem os primeiros tomates no Verão.

Em relação à proteína animal, a questão principal é não nos sentimos preparados (nem com vontade) de deixar de comer carne ou peixe. Passar a comprar biológico até seria uma opção, mas fazendo as contas percebi que adquirir regularmente carne e peixe de produção biológica implicaria um orçamento familiar do tamanho do PIB de São Marino. Curiosamente, tenho a sensação que daqui a 100 anos comer animais vai ser visto como algo bárbaro e estúpido, mas não consigo deixar de sentir que desapareceria uma parte interessante e reconfortante da nossa dieta.

Mas há uma solução à vista. Carne de laboratório, estou pronto para ti!

Optámos por uma solução de compromisso. Uma solução que não é carne nem peixe (desculpem). De segunda a quinta-feira somos vegetarianos, ao jantar. Os miúdos comem carne e peixe na escola, mas ao jantar, nessas quatro noites, só cenas vegetarianas. À sexta-feira tentamos comer proteína animal de qualidade, por norma biológico, ou perto disso. O resto do fim-de-semana é “livre”, porque somos humanos e temos direito à incoerência.

Não é um plano muito sólido do ponto de vista ético, mas é alguma coisa. Acho que um dos subterfúgios que tinha arranjado para fugir a esta questão, era a que as coisas tinham de ser preto ou branco. Mas não têm. Até porque se um dos conceitos que prezamos é o da sustentabilidade e da diminuição da crueldade, a ideia não tem de ser acabar com a carne e o peixe no supermercado, mas contribuir para uma redução de consumo de carne “industrial” e passar a consumir proteína moralmente (e biologicamente) mais saudável. Seja lá o que isso for.

E se não continuar muito fraquinho de andar a comer folhas e legumes na maior parte da semana, escreverei uma segunda parte sobre como tem corrido as coisas na prática.

vomito
Mas ainda não sei se vou incluir a reacção dos miúdos.

 

 

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3 Comments

  1. Olá, eu optei por almoçar opções vegetarianas durante a semana. Já vão 2 meses e sinto-me cansada com mais facilidade. Vou começar a tomar vitaminas e ver se a coisa melhora. Baby steps para mudar

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