Homeopatia – negue à partida uma pseudociência que se conhece

Já tínhamos sido avisados, mas o primeiro ano de infectário infantário é muito agressivo para o sistema imunitário de uma criança de um ano. Além das constipação constantes, também aparecem outras viroses, amigdalites ou febres, que nos obrigam a faltar ao trabalho e a ter conversas surreais em centros de saúde sobre médicos de família, declarações e atestados. Aqui há umas semanas, no rescaldo de mais um episódio particularmente desgastante, a Ana, com base nalgumas recomendações avulsas, sugeriu a possibilidade de o levarmos a uma consulta de homeopatia, numa perspectiva de prevenção, complemento, etc.

Para um céptico, os terrenos da “medicina alternativa” são geralmente pantanosos. Mas a idade, o facto de também ser céptico em relação ao meu cepticismo, e saber que dentro do chapéu grande da medicina alternativa, existem práticas que nada têm de errado (tipo, massagens), os meus alertas de bullshit não dispararam logo. Disse só que iria considerar, não me lembrava exactamente em que é que consistia a homeopatia. A Ana foi pedir referências,e tivemos algumas recomendações de pessoas de confiança, o que ainda me fez baixar mais a resistência à ideia. Entretanto lembrei-me de uma coisa importante.

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Fui reler o Bad Science do Ben Goldacre, um médico inglês que tem defendido o rigor científico na medicina e sua relação com a sociedade, e que tem sido um crítico bastante activo das grandes farmacêuticas, dos vigaristas da medicina alternativa ou da fúria irresponsável dos movimentos anti-vacinas. Para quem não está para ler o livro (deviam), este artigo que ele escreveu para o Guardian resume bem a questão dos problemas da homeopatia (e o papel determinante do efeito placebo):

[…]The placebo response is about far more than the pills – it is about the cultural meaning of a treatment, our expectation, and more. So we know that four sugar pills a day will clear up ulcers quicker than two sugar pills, we know that a saltwater injection is a more effective treatment for pain than a sugar pill, we know that green sugar pills are more effective for anxiety than red, and we know that brand packaging on painkillers increases pain relief 

A baby will respond to its parents’ expectations and behaviour, and the placebo effect is still perfectly valid for children and pets. Placebo pills with no active ingredient can even elicit measurable biochemical responses in humans, and in animals (when they have come to associate the pill with an active ingredient). This is undoubtedly one of the most interesting areas of medical science ever.[…].

Por mais que me apetecesse ir a uma consulta de homeopatia com uma considerável lista de perguntas sobre a “memória da água” (imaginem as implicações da água lembrar-se mesmo de todas as substâncias por onde já passou), decidimos guardar o dinheiro para outras coisas. Resumindo e simplificando: a homeopatia é uma pseudociência baseada em postulados que ninguém conseguiu provar em condições de teste imparciais, e que, por vezes, aparenta funcionar devido ao efeito placebo ou ao facto de apanhar o doente na curva descendente do problema (ou em conjunto com medicação que funciona mesmo).

Porque é que estas questões são importantes? Há muitas maneiras de enquadrar o problema. Podemos argumentar que não devemos premiar a desonestidade intelectual e a exploração da ignorância das pessoas, ou temer que um dia entremos num hospital público e vir alguém travar-nos uma hemorragia interna com um alinhamento de chakras, pago pelos nossos impostos. Mas prefiro relembrar o enorme Carl Sagan e colocar o questão noutra escala:

If we are not able to ask skeptical questions, to interrogate those who tell us that something is true, to be skeptical of those in authority, then, we are up for grabs for the next charlatan (political or religious) who comes rambling along.”

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11 Comments

  1. Não conhecia o livro mas vou tratar de arranjar. Mais importante ainda que o efeito placebo dos comprimidos, é o efeito placebo do próprio médico (segredo dos bons clínicos). O que aprendi com os 6 anos de medicina e outros tantos de prática foi mesmo a tornar-me céptica.

      • Sim, e é um ponto que os homeopatas têm a seu favor, falam com / ouvem as pessoas. Alguns médicos (não como a Joana ali em cima =) ) também podiam aprender com isso.

  2. Eu também céptica há pouco tempo iniciei-me na homeopatia e acupunctura em mim mesma. Porquê? Porque como veterinária vejo a homeopatia e acupuntura resultarem nos animais. Como? Não faço ideia, mas que funciona já o vi com os meus próprios olhinhos de céptica. E o efeito placebo nestes casos com toda a certeza não se põe. Não negue à partida uma ciência desconhecida. 😉

    • Sobre questões de ciência e do método científico, sobretudo na área da saúde, o céptico tem de fazer um pouco mais do que “ver com os seus olhinhos” (tem de testar, falsear, voltar a testar, criar grupos de controlo, etc.), já alguém dizia: “the plural of anecdote is not data”. 😎

      este artigo também levanta questões interessantes sobre o efeito placebo e os animais: http://www.sciencebasedmedicine.org/is-there-a-placebo-effect-for-animals/

  3. É evidente que falam do que não conhecem! Não sou fundamentalista e iniciei o uso de medicamentos homeopáticos, para toda a família, há 3 anos. acho que em crianças de 2 anos o efeito placebo não existe… posso dizer que os meus filhos já curaram otites, amigdalites, sinovites, entre outras doenças, sem um único medicamento da chamada medicina tradicional… A nossa médica formou-se no hospital de São João no Porto, no entanto por norma, receita medicamentos homeopáticos.
    Aliás quando o meu filho teve a sinovite(inflamação), o médico que o viu na urgência receitou brufen, após falar com a nossa médica a criança tomou um medicamento homeopático, e quando foi visto pela segunda vez pelo mesmo médico, este ficou incrédulo com a recuperação, claroq ue acha que foi graças ao brufen!!!
    Outra medicação muito usada cá em casa eram, cortisonas, antihistamínicos, corticoides, e por aí fora, e neste momente as asmas, bronquites, etc, resolvem-se sem nada disso.
    Para os interessados http://www.anamoreira.pt

    • Há vários estudos que indiciam que o efeito placebo existe em crianças, por oposição a estudos que provem que a homeopatia funcione. Mas, de qualquer maneira, claro que é óptimo que os teus filhos tenham curado tantas asmas, bronquintes, etc., no seguimento de tratamentos homeopáticos, mas a) nao quer dizer que tenha sido por tomarem gotas homeopáticas, b) casos anedóticos continuam a não fazer doutrina.

  4. Isto já não é cepticismo, é não querer aceitar outras hipóteses de cura, ou trabalhar num grupo farmacêutico!!! Até porque os medicamentos homeopáticos são administrados num copo de água, logo a criança nem sabe que o está a tomar. Além disso, então qualquer medicamento pode ser placebo… é tudo psicológico e as doenças não existem!!!!
    Ou estamos abertos à evolução do mundo ou continuamos sempre na mesma. A realidade é que já lá vão 3 anos, durante os quais os meus filhos têm as doenças normais da idade e as “gotinhas placebas” curaram-nos!!!! Ainda que fosse pplacebo, ficariam curados e esse é o objetivo, sem se drogarem com químicos!!!Infelizmente a maior parte dos médicos diz que a homeopatia não é eficaz, mas quando são questionados sobre o seu “funcionamento” nem sabem responder porque pura e simplesmente não sabem nada do assunto.
    Para além de que as “gotinhas” vêm da Alemanha, ou lá também são todos burros e ignorantes…
    Somos todos acompanhados por uma médica com formação na medicina tradicional em faculdades do nosso país, mas que tevea visão de perceber que há mundo para além disto, com resultados fantásticos”!!!

    • Eu ainda achei que isto talvez degenerasse num debate inteligente e fundamentado. Mas percebi que não, já que não se deu ao trabalho sequer de ler o artigo citado, ou de tentar rebater com fundamentação nem que fosse um dos argumentos do Ben Goldacre (um médico céptico em relação à indústria médica alternativa, um dos maiores críticos da indústria farmacêutica, e uma pessoa que leu mais artigos e estudos sobre a homeopatia que nós dois juntos). Felizmente grande parte dos médicos diz que a homeopatia não é eficaz, e quando é questionado sobre o seu “funcionamento”, sabe responder exactamente porque razão a homeopatia é pura e simplesmente uma enorme treta. E, infelizmente, acreditar nas coisas sem as questionar é que é ir contra a evolução do mundo, e, pior do que ficar na mesma, é regredir para o obscurantismo.

      • Claro que sim, ver os nossos filhos, e nós próprios, curarem-se sem recorrerem a antibióticos e outros que tais é sem dúvida “acreditar nas coisas sem as questionar é que é ir contra a evolução do mundo, e, pior do que ficar na mesma, é regredir para o obscurantismo”, ah não é o efeito placebo!!!!

        É que eu já experimentei os dois tipos, não acreditei apenas em opiniões e estudos, mas isso não interessa nada… é bom é alimentar lobies… enfim são opções de vida

        • Tenho dúvidas se isso é só um estilo acintoso ou se é mesmo agressividade obtusa, mas já percebi que não há vontade nenhuma de discutir o assunto de maneira racional, ainda que empolada (empolamento é bom), sem histórias de lobbies (os medicamentos homepáticos são de graça, não é?) e outras exclamações. Continuo a ficar contente por haver crianças e adultos a não estarem doentes, seja de que forma for, e isso pode ter várias explicações, mas a água ter memória não é uma delas.

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