Inteligentes e Felizes: Brain Rules for Baby – um Livro

Ao contrário do que o mundo e os meus pais “lá vens tu com as tuas teorias” possam pensar, eu não leio muitos livros sobre parentalidade. Nada contra livros, pelo contrário, mas sofro de preguicite leitora e, em geral, leio muito menos do que gostaria.

Mas embirro um bocado com aquele sentimento “anti-livros de parentalidade” que aparece amiúde naqueles textos recorrentes do “confia em ti, mamã, tu és linda e sabes tudo; caga nos livros e nas teorias (excepto nas minhas)”. 

Claro que percebo que as pessoas andem cansadas de teorias. Sobretudo porque a grande maioria das teorias que por aí andam são tretas (olá especialistas do sono dos bebés).

best dad is a good lover cover
Ou suspeitas?

 

Sobre livros de parentalidade, li o muito engraçado Pregnancy for Men: The Whole Nine Months quando engravidámos. Depois disso, fui lendo o Touchpoints (Birth to Three), do Brazelton e do Sparrow, aos poucos; e, pelo caminho, também ouvi o audiobook The Gifts of Imperfect Parenting: Raising Children with Courage, Compassion, and Connection, da Renée Brown. Foi com a Renée Brown que aprendi aquela estratégia de confrontar uma birra com a (ilusão de) escolha, um método que baptizei como “Parentalidade Vera Roquette”:

Agora escolhe
E tem resultado.

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Brain Rules for Baby: How to Raise a Smart and Happy Child from Zero to Five

Brain Rules for Baby: How to Raise a Smart and Happy Child from Zero to Five

Aqui há uns três anos, apeteceu-me ler alguma coisa com uma componente científica sólida, mas que também tivesse uma dimensão pragmática. Gosto muito de ler não-ficção, sobretudo divulgação de ciência (mesmo que sejam livros que me fazem sentir burro, o que é frequente).

Andei pela internet, e este Brain Rules for Baby: How to Raise a Smart and Happy Child from Zero to Five chamou-me a atenção. O pior foi quando a Ana percebeu que eu tinha encomendado um livro de parentalidade com as palavras “Brain”, “Rules” e “How to” na capa.

liz lemon a dizer oh não

Acho que a Ana pensou que eu me iria tornar num daqueles pais que projecta nos filhos um conjunto irrealista de expectativas inflacionadas sobre o seu futuro, que não são mais que o reflexo dos meus próprios falhanços. Uma ideia claramente absurda. Não é que não tenha frustrações, tenho bastantes, mas se já sou um incapaz a tentar planear o meu futuro, quanto mais o dos meus filhos.

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‘Smart’ & ‘Happy’

Na verdade, por mais que ache fascinante o papel que o cérebro tem no ser humano, e no seu desenvolvimento, as duas palavras que me chamaram a atenção no livro não foram “Brain Rules”, foram Smart e Happy.

Este binómio da inteligência (esperteza? nenhuma das traduções parece ser bem equivalente a smart) e da felicidade, ressoou com ideias que considero essenciais.

A importância da felicidade é quase auto-explicativa. Não obstante as ideias românticas sobre o aborrecimento da felicidade e a glorificação do sofrimento, de que os adolescentes e as pessoas que tinham blogues em 2006 tanto gostam.

manta deprimida
Aliás, esta Manta Deprimida e o Pedro Mexia eram os bloggers mais populares da altura.

Mas também me identifico com a noção de inteligência que implica ter uma relação activa com o mundo que nos rodeia. E que não é sobre resolver equações complicadas. Felizmente, essa ideia de inteligência é semelhante à que é apresentada no livro.

Outra dualidade que me fascina, e que também é parte central do livro, é o conflito entre o que é inato e o que é adquirido. O célebre nature (genes, biologia) vs. nurture (educação, família, contexto, etc.) É fascinante, mas também assustadora, esta ideia de que metade da personalidade dos nossos filhos é determinada no momento da recombinação de uns milhares de genes e que, depois disso, para certas coisas, já não há nada a fazer.

birra no chão
“uh, lamento imenso, a culpa é dos genes… da mãe.”

Focando no período que vai da gravidez aos cinco anos, o livro vai navegando por vários conceitos e teorias relacionadas com a ciência do cérebro e do desenvolvimento. Nalguns casos, como é esperado de um livro sobre ciência, com mais certezas do que outras. Não achei que a ciência apresentada fosse sempre sólida, tem um pequeno capítulo pró-amamentação que é um bocadinho exagerado (na forma como a relaciona com a inteligência), mas é quase sempre honesta. E, mais importante, as recomendações são dadas com aquele tom de “hei, ninguém consegue ser sempre perfeito, mas se tivermos uma ideia do que é ideal, sempre fica mais fácil”.

Antes de ter bebés

Embora já não precisasse deles, achei os capítulos pré-bebé bem interessantes. O primeiro, sobre a gravidez, descreve as etapas de desenvolvimento no útero e também dá alguns conselhos práticos sobre tipos de nutrientes, as diferenças de stress, quantidade de exercício, etc.

O segundo, sobre as relações, é especialmente brutal na maneira como descreve os danos que ter um bebé pode trazer a uma relação amorosa, e também sobre os danos que um ambiente hostil podem ter no desenvolvimento de um bebé.

Gosto especialmente deste parágrafo:

When I lecture on the science of young brains, the dads (it’s almost always the dads) demand to know how to get their kids into Harvard. The question invariably angers me. I bellow, “You want to get your kid into Harvard? You really want to know what the data say? I’ll tell you what the data say! Go home and love your wife!” This chapter is about that retort: why marital hostility happens, how it alters a baby’s developing brain, and how you can counteract the hostility and minimize its effects.”

Não é muito agradável, estar a ler um livro sobre desenvolvimento de cérebros e bebés, e de repente sermos confrontados com a questão da qualidade da nossa relação e da forma como resolvemos os nossos problemas. É desagradável, mas importante. É aqui que também começa a aparecer uma das palavras chave do livro – empatia. A capacidade de nos relacionarmos com os problemas do outro, de nos pormos no lugar dele.

E é verdade. Quando tentei imaginar a sensação de passar uma cabaça pelo meio das pernas e uma semana depois começar um regime de seis meses em que é impossível dormir mais de duas horas seguidas enquanto se lida constantemente com o medo de estar a falhar, sou capaz de me ter tornado um marido ligeiramente melhor (e um bocadinho menos anormal).

A inteligência

Acho que toda a gente gosta da ideia de ter filhos inteligentes. As pessoas querem que os filhos “tenham sucesso”. E, num mundo mais simples, inteligência é associada a boas notas, e boas notas são associadas a um bom emprego – que é um dos indicadores básicos de sucesso.

Infelizmente, ou não, já não vivemos nesse mundo (e se calhar nunca vivemos). É verdade que a inteligência pode estar relacionada com o “sucesso”, mas o desempenho escolar e o chamado quociente de inteligência não são os únicos factores a contar para isso. Vejam o nível geral dos nossos políticos, dos nossos gestores, dos “chefes”. Serão pessoas muito inteligentes na forma como gerem as relações, como comunicam, aparecem, mas – na grande maioria – não são nenhuns génios.

Para o John Medina, ser “smart” não é ser bom a adivinhar o resultado de sequências numéricas ou lógicas e ter 160 num teste de QI, mas sim uma combinação de características que define como estruturais. Na base estão a capacidade de memória e a improvisação, mas depois aponta outros que identifica como: a vontade de explorar, o auto-controlo, a criatividade, a comunicação verbal e a capacidade de interpretar comunicação não-verbal. Embrulhando, podemos falar nos 4 Cs: curiosidade, criatividade, comunicação e controlo.

Gosto desta abordagem, voltada para a nossa  vida interior e exterior. A partir daqui o livro bate imenso na importância de falar com eles, no deixá-los brincar, na ideia de que os nossos filhos não fazem o que queremos mas sim o que nos vêem a fazer, e a importância de elogiar o esforço (e não o “serem inteligentes”). Também deixa vários alertas importantes: cada cérebro tem o seu ritmo.

A felicidade

A felicidade já é um conceito bem mais difícil de definir. É um tema que me tem ocupado algum tempo, sobretudo desde que me sinto responsável pela felicidade de outras pessoas, e que gostava de tentar desenvolver noutro texto (tentei fazer neste e descambou sempre numa série de divagações desconexas).

No livro, o John Medina vai buscar um dos conceitos nucleares do famoso Grant Study – um estudo sobre felicidade que tem seguido a vida de centenas de pessoas desde 1937. A conclusão chave do estudo? Amizade. Ter uma rede forte de amigos, de relações com significado, é um dos principais pontos em comum nas pessoas que reportaram os maior índices de felicidade.

ermita na árvore
O sindicato do eremita já contestou o estudo.

A partir desta premissa, o livro identifica duas competências essenciais para desenvolver relações (e ser feliz): regulação emocional e empatia. Pode ser uma forma um pouco redutora de encarar a felicidade, mas não deixa de ser a parte mais interessante do livro. Este mundo emocional é fascinante, na forma como se ancora num conjunto de predisposições inatas e como é moldável à medida que crescemos. 

A ideia de que há indícios muito fortes, embora sem certezas absolutas, de que os níveis de felicidade que somos capazes de alcançar pode estar limitado à nossa composição genética, pode ser desmoralizadora. Mas é aqui que também percebemos que o mundo emocional dos nossos filhos é como o nosso, incrivelmente complexo e rico. O melhor que podemos fazer é ajudá-los a encontrar essa felicidade, através dos estímulos, do auto-conhecimento, e dos tais elementos que lhes permitam estabelecer amizades, relações ou laços que tornem as suas vidas mais especiais.

Um dos aspectos mais interessantes sobre empatia, é não ser só sobre a forma de nos identificarmos com os outros, mas sim também poder ser um sinal de que sabemos lidar com as nossas próprias emoções. Esse é um dos aspectos que o livro acaba por desenvolver mais, a importância de ajudar as crianças a especular sobre outros pontos de vista, a discutir as emoções em casa ou a aprender a verbalizar os nossos sentimentos.

Moral da história

Depois da inteligência, depois da felicidade, e quando achamos que o livro vai começar a descolar em direcção aos céus e pedir-nos que adoptemos uma bandeirinha qualquer chamada Escola da Parentalidade Empática, ele resolve que não é altura de facilitar e dedica um capítulo às questões da moralidade na infância. De teorias sobre conceitos inatos de moral, à constatação de que aos 4 anos uma criança mente de duas em duas horas, e aos seis anos de 90 em 90 minutos, o foco do capítulo é a formação de um comportamento moral e a importância de haver regras e disciplina.

birra no restaurante
Sendo que às vezes não há nada para punir, é só aproveitar o silêncio. Foto original: Took my daughter out for a nice dinner.

Confesso que quando chegou a altura de aprender mais um acrónimo, desta vez sobre punição eficaz, já estava a tentar ver o fim do livro. Mas, para a memória (e porque faz imenso sentido), fica aqui o que quer dizer FIRST: Firm, Immediate, Reliable, Safe, Tolerant.

A tendência mantém-se, comunicação clara e consistente são determinantes para crianças mais cientes dos limites e eficazes a estabelecer relações ou a tomar decisões.

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Sobre o ler ou não ler livros de parentalidade, é fácil argumentar que a grande maioria desta informação existe sobre a forma de artigos, vídeos ou em conselho de “amigos”, vizinhos e pessoas que frequentam caixas de comentários (que são as melhores!). Mas ler (não ficção) não é só sobre apreender factos.

Quando lemos um livro, quando o acompanhamos no tempo (no meu caso, podem ser meses) e no espaço (do papel), ele gera uma forma de imersão que facilita o conhecimento. Cria um mapa mental, uma estrutura de pensamento que depois nos ajuda a tomar decisões, a avaliar situações ou até a tentar argumentar contra o que o tipo está a dizer. Esta estrutura, a dada altura, vai passando de factos e anedotas (“sabias que há um estudo que…”) a algo mais profundo, até intuitivo (“esta parece ser uma boa situação para discutir o sentimento de inveja com o miúdo”).

Não é uma questão de seguir normas, mas sim de desenvolver ferramentas. Este livro funciona particularmente bem, porque apesar dos vários estudos científicos e curiosidades apresentadas, por vezes até contraditórios entre si (de forma consciente), há uma ideia forte sobre tentarmos fazer o que é melhor para os nossos filhos. Respeitando a inteligência das crianças, cultivando o seu mundo emocional e evitando fazer distinções idiotas sobre emoção e razão. Gostei imenso. Recomendo.

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3 Comments

  1. não tenho tempo agora para mais, só li até “olá especialistas do sono dos bebés” mas já foi suficiente…. 🙂
    ocorreu-me a mesma ideia há tempos, quando estava a reflectir precisamente no esforço que foi feito lá em casa para conseguir que bebé dormisse horas seguidas nocturnas e em tudo o que leio por aí sobre o tema.
    Intuitivamente, mas nem pensei muito no caso, mas achei que as pessoas que contratam esses especialista devem estar mesmo muito desesperadas. Um pouco como, deixa cá gastar 12 euros num creme contra a celulite e ver se funciona.

  2. 🙂 🙂 🙂 confesso que também me assustei um bocadinho quando li o título!! (pensei: uuuuuuiiiiiiiiii!…..) LOL!! Mas muito interessante, sem dúvida! Grande dica! Também gosto de “ler um bocadinho” sobre as coisas! 😉 obrigada!!

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