Quando os textos apareciam com mais regularidade, havia aqui uma rubrica chamada The Mexican Report onde eu ia acompanhado as fases de crescimento do Mexicano. Uma espécie de Touchpoints na perspectiva de um pai auto-comiserativo com problemas de primeiro mundo.
A minha filha, a Xica, aparece bastante menos no à Paisana. A razão óbvia é eu ter passado a escrever menos no site. A razão ainda mais óbvia é que eu sou um blogger muito limitado. Quando se escreve sobre experiências da parentalidade, numa perspectiva de eu eu eu, o número de piadas e analogias com gifs animados que se conseguem fazer sobre a fase do não, os primeiros passos ou transbordos fraldianos, têm limites.
Mas dizer que o segundo filho não traz grandes novidades é a mesma coisa que dizer que a II Guerra Mundial não foi assim tão horrífica porque a I Guerra Mundial já tinha sido terrível. Não, não estou a comparar ter filhos com conflitos globais de larga escala que resultaram em milhões de baixas e danos irreparáveis no progresso civilizacional, estou só a dizer que as coisas podem sempre piorar.
A Xica veio mudar a vida de toda a gente cá em casa. A Ana descobriu que, ao contrário do que ela sempre achou, afinal não precisa de dormir oito horas por noite para funcionar bem. E também que relaxar a ver uma série, ou a ler um livro, está sobrevalorizado, porque adormecer no sofá a seguir ao jantar é que está a dar. O Mexicano aprendeu que a irmã a quem ele não devia fazer maldades “porque é pequenina e gosta muito dele”, um dia resolveu transformar-se numa espécie de demónio da tasmânia de cueiros que lhe destrói os legos, puxa-lhe o cabelo, morde-o e ri-se quando lhe ralhamos.
Eu descobri que se estamos menos disponíveis para ir (tentar) amparar uma criança aos berros a meio da noite, não nos devemos surpreender que essa criança esteja muito mais ligada à mãe e não nos reconheça a capacidade de a amparar à noite. É verdade, continuo a ser um anormal quando (menos) é preciso.
A Xica nasceu quase prematura, acho que era do tamanho do meu antebraço. Quando a erguia com as duas mãos, quase que deixava de lhe ver o tronco e a cabeça, os braços e pernas a baloiçar naquela armação franzina de projecto de gente, mas já a transbordar de vida. Mais um recém-nascido típico do come-berra-e-dorme-pouco, mas sendo o segundo foi mais fácil relacionar-me com ela. Já sabia que mais cedo ou mais tarde ia sorrir para mim, sem ser dos gases, e passava a valer tudo a pena. Mas os primeiros meses foram complicados, sobretudo para a mãe, que era sempre quem tinha de ir lá. A amamentação, a licença de parentalidade alargada da mãe, o feitio da bebé, o facto dos gritos dela me terem começado a provocar vibrações estranhas na audição, e eu achar que precisava de tempo para ter os meus projectos de desenvolvimento pessoal e profissional, explicam alguma coisa, mas at the end of the day – eu sinto que podia ter estado um pouco mais. E que sempre que foi possível, estive um pouco menos. A Ana esteve lá sempre para ela, e para todos nós.
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As boas notícias são que tenho todos os dias para conquistar a minha filha. É a primeira pessoa que quero ver quando acordo. Cumprimenta-me sempre com um sorriso expressivo e um “pá!” exclamativo que me derrete e quase que me arranca as ramelas dos olhos. Entretanto a mãe sai de casa e eu fico a lutar com ela para a prender à “cadeira da papa”, para poder ir tomar banho. Fica a comer uma torrada e a ver a Dora, a Exploradora com o irmão. Fascina-me a capacidade que ela tem de se entreter sozinha. Talvez esteja relacionado com o facto de não ter crescido a ter todas as atenções só para ela, ou então é mesmo feitio. O mesmo feitio que a leva a ralhar com o irmão pondo uma mão na anca e abanando o dedo da outra enquanto diz “na, na, na, na, na”.
A Xica vai do estado berrante de “quero o colo da minha mãe e não aceito qualquer outro” ao “sou uma mulher forte e independente e vou jantar sem qualquer tipo de ajuda”, numa fracção de segundo. Desde os seis meses que se irrita se lhe tentamos sequer dar a sopa. As refeições acabam por seguir um processo muito específico em que só ela vai gerindo a comida, os talheres, o estado do cabelo e a felicidade do cão, que vai comendo o que ela atira para o chão. É justo porque, entretanto, também descobriu que gosta de comida de cão (que é só das coisas mais nojentas que já provei na vida, isso e aqueles pasteis de bacalhau com queijo da serra).
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As conquistas físicas também têm sido uma experiência nova. O ‘Mexicano’ nunca foi daqueles bebés que sai da maternidade a andar ou já sabe passar a sopa aos quatro meses, mas esteve sempre no meio dos intervalos dos meses previstos. A Xica não. A Xica tem estado sempre nos limites das datas em que é suposto eles fazerem as coisas. Sentou-se aí aos 8 meses, começou a gatinhar quase com um ano, e começou agora a andar (mais ou menos) aos 17 meses.
Para compensar, é, de longe, a pessoa que tem mais estilo a dançar cá em casa. O Mexicano gosta de dançar, mas ultimamente faz algo mais parecido com a dança das formigas africanas (referência do Namorada Aluga-se, esse clássico, alguém?), do que com qualquer acompanhamento de ritmo. A Xica, desde pequenina, começa logo s balançar um movimento de ombros quando alguém põe música. Ultimamente temos dançado pela sala ao som do Sorry do Justin Bieber, que além de ser um musicão, tem um vídeo cheio de mulheres bonitas e poderosas a partir a loiça toda.
Em relação à eterna questão da diferença entre ser pai de um rapaz ou de uma menina, confesso que é mesmo difícil distinguir entre os preconceito de género e a natureza. Um dia, na escola disseram-nos que ela adorava bonecas, e sentimo-nos mal porque cá em casa não havia bonecas (por nenhuma razão em específico). Entretanto, já há bonecas cá em casa. Não noto grande diferença no entusiasmo com que ela agarra numa boneca ou com que atira os carrinhos à cabeça do irmão. Mas um dia destes vou acordá-la a meio da noite e dizer-lhe que ela tem de brincar com a boneca senão a boneca vai berrar tanto que os ouvidos dela vão começar a ranger.
Ainda sobre brinquedos e preconceitos de género, outro dia os avós ofereceram-lhes uns frascos de gel de banho em forma de bonecos. Para ele, um Homem-Aranha, para ela, uma Hello Kitty. Não consegui formar grande opinião sobre o assunto, excepto ter notado que são dois bonecos sem boca. Ainda que tenha alguns preconceitos relativos a gatas japonesas antropormofizadas, a verdade é que desconheço que tipo de role model é a Hello Kitty. Se calhar é uma gata cinco estrelas, ao contrário do Homem-Aranha que é um ‘super-herói’ que deixou que o tio fosse morto – má onda.
Vou dar o benefício da dúvida. Mas fiquei feliz quando, no dia seguinte, ela agarrou no Homem-Aranha com muito interesse e disse “mem-na-na”. Nunca a ouvir dizer o nome da Hello Kitty. That’s my girl.
<3
xiiii… “o namorada aluga-se”!! do que me foste lembrar!! com o Mc brasa da anatomia de grey! eheheheh!!
Também temos uma menina com 13 meses e um mais velho com 4 anos e foi reconfortante descobrirmos que não fomos os “únicos” pais a negligenciar a aquisição de bonecas cá para casa… é que ela diverte-se tanto a empurrar os carrinhos!! 😀
Texto muito bom (como sempre)! obrigada pela partilha! 🙂
NF! Uau, long time no see / read. New baby on the block, nice, que bom que está tudo bem. e obrigado eu! 😀
não consigo ler tudo. filho dorme sesta de fim de tarde, enquanto eu usufruo das minhas duas horas (aha!) de dispensa para amamentação, mas já o ouvi num choro fininho e curto que indicia que daqui a 5 segundos vai acordar aos berros (está a recuperar de uma otite e o antibiótico, ao fim de 8 dias já lhe faz dói-dói na barriga). credo eu e a minha verborreia, só queria vir dizer que… charan, tenho uma dica para ti sobre o banho! quando eu quero ir à casa de banho (e não só para tomar duche..hein hein) ponho o cesto da roupa dentro da casa de banho, com uma toalha para o chã não ser ão frio, e o bebé fica lá dentro, como se fosse um mini-parque. E fica sempre a ver-me e assim continua na rir. O cesto de que falo (para não teres de perguntar ao elemento feminino adulto) é aquele cesto com paredes aos quadradinhos onde usualmente dobramos as roupas (ou as amarfanhamos) no período de espera entre tirar do estendal e passar a ferro. Btw, aceno de cabeça ao elemento feminino, partilhamos o mesmo nome 🙂
Dantes também usava a cadeira da papa, mas tornou-se pouco prático.
Hei, eu tenho muitos defeitos (como se lê) mas sei bem o que é um cesto da roupa. Aliás, até sei distinguir (pelo olhar ou pelo cheiro, depende) um cesto de roupa suja de um cesto de roupa lavada (para passar). Da mesma maneira que sei que se pusesse a minha filha nesse cesto, ela cabia toda lá dentro (o nosso é alto e magrinho), portanto esse plano não é aplicável. 🙂
Daqui a pouco tempo já pode ficar “livre”, é só questão de esconder a comida do cão… -_- As melhoras!
tens toda a razão, não ligues! 5 segundos depois de me levantar da cadeira percebi quão estúpida era a sugestão para uma criança mais velha que a minha… 🙂 daqui a pouco tempo também já não vou poder usar o truque do cesto.
E quanto ao mais, também não era minha intenção fazer um comentário sexista “os homens não percebem nada de lides domésticas”. Sorry. Como vês, não és só tu que tens sentimentos de arrependimento pelo passado (acho sempre deliciosos, nos teus posts sobre os filhos, os comentários sobre o que gostarias de ter feito*). E no meu caso, é o passado muito recente! a toda a hora me arrependo das cenas idiotas que me saem da boca para fora.
Aliás, pela minha experiência, todos os homens que conheci e conheço (incluindo os avôs do meu filho) sabem fazer tudo em casa muito bem. Cá em casa quem sabe passar a ferro é o elemento masculino !
* Já agora que o assunto vem à baila, sinceramente duvido que qualquer pessoa, no momento em que vivemos as situações, pudesse fazer melhor que nós. Mas é claro que todos nós a posteriori temos tendência para analisar e pensar, hum devia ter feito mais assim e menos assado. O que não quer dizer que não repitamos os nossos próprios erros vezes e vezes sem conta (por mim falo!)
🙂 Na realidade as minhas capacidades relativas a roupa são muito más. Nos dois anos em que vivi sozinho tentava estender a roupa de maneira a que não precisasse de passar a ferro, dava com tudo menos as camisas (que nunca ficavam bem passadas). As minhas especialidade em casa serão preparar refeições (também ainda não lhe chamo cozinhar) e arrumar gavetas e deitar coisas para o lixo (duas vezes por ano, num bom ano).
Concordo que não vale a pena remoer no arrependimento; mas não era bem essa a perspectiva que eu queria transmitir. Talvez seja mais perto da expiação, – ah! Não sei, é difícil falar de processos mentais a partir deste tipo de textos. Talvez outro dia. 🙂
cá em casa ainda usamos esse processo de estender de maneira a não passar a ferro. E por acaso quem me ensinou foi uma amiga do técnico (a minha lógica é: é do técnico, é esperta, é das ciências, tem sentido prático).
Muito bom. A Xica faz-me lembram um baby M que tenho cá em casa 🙂
Kiss
Também tenho dois e adorei ler este texto, como gosto sempre aliás. Identifico-me muito com o que escreve. Neste caso, achei graça porque o “meu mai’ novo”, ao contrário do mais velho, também avança devagarinho naquela coisa dos marcos de desenvolvimento… Será porque exigimos mais do primeiro? Estamos mais atentos, e acabamos por estimulá-los mais? Já li que os nossos melhores genes vão para o primeiro filho para garantir a continuidade da humanidade… Será?
Olá! A questão da ‘qualidade genética’ não sei, mas há mesmo dados científicos que notam que os primeiros filhos são mais inteligentes que os segundos.
Interessante. Há com certeza exceções. Eu sou a terceira de quatro e sou claramente a mais inteligente. 😉