Internet. Quando descobri a Internet ela vinha em caixas. Hoje em dia passou a ser algo que vem pelas paredes da nossa casa. Como a água, ou as baratas.
Há quem adore a Internet e há quem ache que a Internet é como a noite do Game of Thrones: escura e cheia de terrores. Eu gosto muito da Internet. Mesmo com todos os terrores, e às vezes mesmo por causa dos terrores.
Só que mesmo considerando que a Rede é uma força para o bem, decidi não colocar fotografias dos meus filhos na Internet. Ou evito colocar. Existem por aí algumas, não sou fundamentalista. Mas 5 Razões pelas quais é que só raramente é que ponho fotografias dos meus filhos na Internet não soaria tão bem. Como está fica mais extremista, e dá a ideia que vos estou a julgar.
Não estou! Vocês fazem o que quiserem com a imagem dos vossos filhos. Aliás, é óptimo que encham a net de imagens de bebés e crianças, assim os tarados já têm com que se entreter. Ahah. Estou a brincar. As minhas razões não têm nada a ver com tarados. A ameaça dos tarados é como o fenómeno dos velhos a guiar em contramão na auto-estrada: uma minoria que acaba sempre na capa do Correio da Manhã.
As minhas razões são pessoais. Que é outra maneira de dizer – são problemas meus. E vão variando conforme o contexto. São as seguintes:
#1 – Na web não há ‘direitos’ de imagem
Estou a mentir outra vez. É óbvio que na web há direitos de imagem. E de propriedade intelectual. Já tive de enviar vários mails a lembrar pessoas que não é fixe fazerem copy paste de posts inteiros do meu blog, sem autorização.
Mas também é verdade que a web é um espaço muito pouco regulado. E isso é óptimo, para certas coisas. Quer dizer que eu posso popular este blog com gifs que mostram imagem de filmes e séries, sem me preocupar em pagar aos estúdios ou agradecer aos nerds que os fizeram. Basta contribuir com gifs de volta para a comunidade.
Só que é difícil controlar a facilidade com que se copiam conteúdos. Pode ser improvável, mas não seria impossível que eu amanhã carregasse uma imagem dos meus filhos na minha conta de Flickr ou no Instagram, e que na semana a seguir ela fosse utilizada e vendida numa galeria de arte nos Estados Unidos (sem a minha autorização). Ou até para vender papas na Venezuela. Vejam o que aconteceu ao Príncipe George de Inglaterra:
Ou, imagine-se, que os meus filhos se tornavam memes. É óptimo que existam pais que não se importem que os seus filhos sejam memes. Mas eu não conseguiria viver com a ideia de que um filho meu tem mais sucesso na net do que eu.
#2 – O Facebook é (pior que) um concurso de popularidade
A minha relação com o Facebook – it’s complicated. Em teoria, é uma plataforma de comunicação incrível, que possibilita que as pessoas se liguem, comuniquem e partilhem. Na prática é o jogo de computador mais irritante do mundo. Consiste e em partilhar o que andamos a fazer, do que gostamos ou pensamos, para amealhar pontos virtuais de ego (likes). Claro que os jogadores mais activos ou os exibicionistas e os indignados. Ou as marcas que querem ser nossas amigas e conversar connosco.
Para piorar, eu sei que o Facebook me despreza. Despreza o facto de eu partilhar artigos chatos do aldaily, despreza as minhas actualizações irregulares e pouco populares. O Facebook gosta das pessoas que dizem mesmo coisas como “epá, isto vai para o face“, ou que apagam posts com poucos likes (eu sei quem vocês são).
Não tem pachorra para anormais como eu, que gastam energia a dizer às pessoas que partilham fotos do pôr-do-sol com citações falsas: “epá, o Fernando Pessoa nunca escreveu essa merda”.
E, claro, há as partilhas de fotos de bebés no Facebook. Aposto que nem os especialistas em comportamento humano do Facebook, que ajudam a pensar os mecanismos de manipulação psicológica dos “Likes” e “Gostos”, anteciparam a popularidade das imagens de bebés nas redes sociais. Mas a propensão humana em querer esfregar fotografias dos filhos na cara de toda a gente, aliada à facilidade de um mecanismo de partilha de fotos com o mundo inteiro, só podia dar nisto. Todos os dias aparecem-me bebés estrábicos na feed de notícias, e são raras as vezes em que não ultrapassam as dezenas, ou mesmo centenas, de ‘gostos’.
Não vejo nenhum sentido em partilhar fotografias dos meus filhos para o meu universo de 10% de amigos, 80% de conhecidos, e 10% de pessoas que não tive coragem de rejeitar; sabendo que só 5% das pessoas têm mesmo interesse em ver (e estou a ser optimista). Mas pior que isso, é a ideia das foto ficarem sujeitas a uma lógica de competição por likes, com todos os outros bebés que me poluem a feed do facebook.
Sim. Eu podia fazer uma grande dissertação sobre a privacidade, os filtros, e o voyeurismo do facebook, mas a verdade é que não suporto a ideia de ficar obcecado com o facto da foto de um dos meus filhos poder ter apenas 30 likes, e a bebé que parece uma marmota, do gajo que trabalha comigo, conseguir 200 gostos em dez minutos.
#3 – As redes sociais não são (só) plataformas de comunicação
É verdade que as redes sociais são óptimas para reencontrar ver velhos amigos, sobretudo se eles estiverem (mais) gordos e carecas do que nós. Ou para descobrirmos coisas que nos interessam (como este blog, já fizeram like? não há nada de errado nisso!).
Mas o verdadeiro produto da empresa “Facebook” não é o Facebook (ou o What’s App ou o Instagram, que são deles). O produto do Facebook somos nós. A não ser que tenham feito copy paste daquele texto que vos dá protecção legal no Facebook, claro.
O What’s App, por exemplo, não custou 17 500 000 000 de euros ao Facebook por ser um chat “muito bem feito”. O que o Facebook comprou foram os 500 milhões de utilizadores. Utilizadores = pessoas, caso tenham dificuldade com números.
Sabem que nome é que se dá a um sítio onde temos informação pessoal sempre actualizada, uma lista dos nossos amigos e familiares, um registo sobre onde viajamos e passamos férias, a escola em que andámos, que filmes gostamos, que música ouvimos, onde trabalhamos, que sites gostamos de ler, quantos filhos temos… para fins comerciais? Sim, é uma Base de Dados de Marketing. É isso que o Facebook vende a empresas ou a pessoas (como eu) que compram anúncios. E é a base de dados perfeita: actualizada todos os dias, por nós, o produto.
Eu não me importo de ter essa informação no Facebook. Parece-me um preço justo a pagar por um site que me irrita, mas que também permite que este blog chegue a bastantes pessoas, o que é espectacular. Mas não quero inserir os meus filhos numa base de dados de vendas., para já Não quero que o Facebook saiba como é que eles são, onde andam, o que vestem, etc. (e ele consegue saber).
Muito menos que decida começar a tentar vender-me fraldas ou a sugerir-me livros sobre cuidar de marmotas.
#4 – O meu blog não é sobre os meus filhos
O à Paisana acaba por ser o sítio onde residem as poucas fotografias dos meus filhos na web (espero eu). Servem para complementar alguns posts ou momentos assinaláveis, mas tento que não sejam muito explícitas.
Também é verdade que no blog já tenho um pouco mais de controlo. Mas também não é aqui que me apetece publicar muitas imagens, é que o à Paisana não é um blogue sobre os meus filhos. Ou a minha família. É sobre parentalidade e, especialmente, sobre mim. Esta foi sempre a ideia. Antes de lançar o blog fiz um périplo pelos blogs mais famosos de parentalidade. Baby, mommy, daddy, family blogs. Vi todos. Li posts. Li comentários. E percebi a fórmula do sucesso: escrever bem, publicar conteúdos originais e esperar que as pessoas nos descubram.
Atenção, nada contra os blogues que são uma mistura de fotoreportagem da Caras com catálogo da La Redoute, ilustrados com textos do nível de Composição da 3ª Classe: O que fiz nas férias de Verão. Mas minhas referências são mais o Louis CK a fazer stand-up a gozar consigo por ter ficado horrorizado com a imagem da vagina da filha bebé cheia de cocó. É óbvio que não me estou a comparar ao Louis CK, mas talvez um dia me consiga aproximar desse plano onde brilha o íntimo, o nojento e o hilariante; três adjectivos que caracterizam a parentalidade de forma muito sucinta.
A razão de não pôr aqui (muitas) fotografias é muito simples: este blog é sobre o que vai na minha cabeça, sobre a capacidade que tenho ( ou não) de fazer comédia e escrever sobre outras coisas interessantes relacionadas com a parentalidade. Eu sei que a história do entretenimento está cheia de casos de sucesso de pais que usaram os filhos como fontes de rendimento,
mas vou optar pelo ponto de vista egoísta e querer que isto dependa só de mim.
#5 – Eles têm direito à privacidade, e à identidade, deles
Isto leva-me ao último ponto. Há um velho ditado sobre a web, que veio de um cartoon de 1993 do New Yorker, que diz que “Na Internet ninguém sabe que somos um cão”.
O papel do anonimato da web é um questão polémica. Diabolizado por uns, defendido até à exaustão por outros, para mim é um dos princípios mais sagrados da Internet. Na rede, ou em parte dela, não somos obrigados a utilizar a identidade da vida real. Isto quer dizer que, se o quisermos, podemos discutir sem constrangimentos, criar sem limites, fazer blogs estúpidos e explorar o que nos apetece.
Quero que os meus filhos cheguem à Internet com o mínimo de bagagem possível. Que possam ser o que quiserem. E, para isso, ajuda não terem um rasto enorme na rede. Colecções de fotografias e histórias “amorosas” de quando eram bebés, crianças, o que seja. Quero que eles aprendam a importância de ter o controlo (possível) sobre a imagem deles. E quero fazer isso respeitando a privacidade deles, o direito à intimidade, e, sobretudo, não quero que se sintam especiais (ou menos especiais) por haver pessoas que “gostaram” das fotografias deles ou que comentavam sobre as roupas que usavam.
Para terminar, eu sei que tudo isto é um pouco contraditório porque o Mexicano, e mais recentemente a Xica, já se tornaram personagens no seu próprio direito, aqui no à Paisana. Este blog também vive disso. Mas, de certa maneira, são também isso – personagens. Às vezes são conceitos abstractos que representam angústias que eu tenho como pai, outras vezes arquétipos de crianças que todos conhecemos. Ocasionalmente aparecem aqui como os seres únicos, maravilhosos e espectaculares que me preenchem os dias, e o coração, mas só ocasionalmente. Podem ficar com essa imagem.
a propósito: https://criancasatortoeadireitos.wordpress.com/2015/07/22/tribunal-impede-pais-de-publicar-fotos-da-filha-no-facebook/
eu sou uma tramela na vida real e na virtual, gosto de comunicar e isso inclui as histórias sobre os meus filhos a que (eu sei) provavelmnete só eu é que acho piada
tenho a módica quantia de cerca de 200 “amigos” no FB e vou resguardando a nossa imagem
as poucas fotos que há com a minha imagem são dos meus amigos
optámos por respeitar a identidade dos nossos filhos, publicando fotos em que não seja visível as suas faces
vou tentando regular-me questionando-me sobre a possibilidade de os estar a embaraçar, mas, lá está, ainda esta semana espetei no blog que o meu filho andava com asas de fada (viva a contradição humana)
enfim, eles sabem o que publico, por vezes, quando lhes tiro uma foto, já perguntam se também quero com a cara virada para o lado
mais a sério, cumprimos com orienteções específicas no que concerne a adopção, mas isso já é conversa que dá pano para mangas
tudo se resume a: a imagem é deles, não é nossa
Sim, bem a propósito, mas quando vi essa notícia já ia no 7º draft do texto, e não quis arriscar introduzir mais esse elemento (parece-me exagerado é o ângulo “cuidado com os predadores sexuais da notícia / sentença”, depois não vemos miúdos a brincar na rua e achamos que a culpa é “da Playstation”).
É verdade que a imagem é deles, mas acrescentava só que os pais também lhes compete zelar por ela, enquanto os miúdos não as podem tomar. Claro que o princípio deve ser de protecção, mas também pode ser de exposição. Se me oferecessem uma batelada de dinheiro para ele ser lata de cerelac, p.ex, aceitava fácil. Ou mesmo Chavelac, não sou esquisito.
No vosso caso, acho mesmo visível que é isso que está lá – o respeito. E eu também vou tentando viver com as minhas contradições. 🙂
Ri até chorar… Vou ter mais cuidado com as fotos que ponho das minhas filhas (que, por acaso, são lindas. E não sou só eu que acho. São também os concursos todos da Mustela e da Nestle em que as inscrevo.
just kidding 🙂
“ah mas toda a gente sabe que esses concursos são todos ‘arranjados’ isso é só cunhas”
– dizem todos os anos milhares de pais e mãe de miúdos rejeitados
Concordo com muito do que escreveste. Para mim o anonimato é importante, ainda que não seja impossível haver quem consiga identificar (o que não me preocupa, sinceramente, não seria algo muito relevante em termos numéricos). É importante para mim (pessoalmente e profissionalmente) e porque sinto que posso revelar um pouco mais quando não me identifico. Até deixei de usar o facebook do blogue porque não me estava a agradar uma partilha maior e sentia que o cruzamento de informação era muito fácil por essa via. Prefiro que fique assim uma coisa para poucos seguidores onde vou escrevendo sobre isto de ser mãe, sobre os altos e baixos, onde “encontro” outras mães, onde também as leio. Claro que gostava de partilhar fotos dele de frente, afinal de contas tenho tanto orgulho no rapaz, mas contenho-me, por ele, por mim, pela família. Mas existem blogues com muitas fotos de crianças que sinto que são respeitadores das mesmas e outros com menos fotos mas em que o que é escrito ou o que é fotografado está a pisar uma linha que me faz imensa confusão. A última que me deixou perplexa foi uma foto de uma criança a rezar numa igreja… Acho muito mais inofensivo uma criança pequena na praia de rabo à mostra, mesmo porque a ultima coisa que receio é isso dos pedófilos nas redes sociais. Vou estar sempre muito mais atenta a quem circunda o meu filho. Já no face pessoal, vou partilhando de vez em quando algumas fotos, nunca é totalmente privado mas também não está público…também não partilho nada que sinta que o pudesse envergonhar. Vou tentando equilibrar.
Percebo perfeitamente o que dizes, e o exemplo é bom, embora a minha mente ateia-que-vai-arder-no-inferno só consegue pensar em piadas com essas imagens de rabos e igrejas (não vou fazer nenhuma, que isto é um espaço seguro).
Já agora, também não tinha pensado nisso, mas acho que sou sensível à quantidade: quando são muitas imagens, num só post começa a fazer-me impressão. Ou as fotografias têm valor artístico, ou ilustram um ponto, e aí não precisam de ser muitas, mas quando vejos sequências gigantes de fotos semi-parecidas sei que é a minha deixa para GTFO do blog. Quer dizer que não é para mim, há-de ser para alguém. 🙂
Olá André, desde já parabéns pelo blog! Sim porque desde que o descobri que me viciei uma vez q é hilariante!! Relativamente a este assunto partilho mt da tua opinião, já tive inclusivamente uns desaguisados familiares uma vez as avós parecem ser as que menos se controlam nestas questões (falo da minha querida mãe que mal se apanhou sozinha com a minha filha quando nasceu tirou logo a bela da foto po face!). Mas embora não goste tu hoje mostraste-me uma situação que nunca me tinha ocorrido, é que estes bebés um dia irão crescer e ao contrário de nós não terão albuns de fotos empoeirados mas sim fotos no facebook,insta etc. Faz-me realmente ter pena de 90% dos futuros adolescentes com todas as “cutchiquices” escarrapachadas na web. Enfim porque para nós pais é sempre tudo lindo (fala a mãe que quis tirar foto do primeiro cocó da sua princesa). Continua com o good work 🙂
Olá Ângela, obrigado!
Mas… então mas essa foto do primeiro cocó existe ou não? 🙂
Ahah existe! Guardadinha a sete chaves 😉
Cá em casa, uma das questões mais importantes com que nos debatíamos quando o nosso filho vinha a caminho era a estimativa do número de likes que ele ia poder ou não gerar no Facebook…
Brincadeirinha.
Na realidade, a principal razão para ser mais ciente em relação à partilha de fotos prende-se também com o aspecto que referes de querermos que o puto cresça com a possibilidade de ‘escrever’ a sua própria narrativa digital, em vez de já ter tudo escarrapachado em redes sociais, blogs e afins. Especialmente quando a partilha não é feita para um grupo de amigos chegados, mas para um mix de gente em que a proximidade é muito relativa.
É certo que às vezes também vês pessoas com posições semelhantes e que depois ‘cedem’ à ideia de ‘o meu filho é o máximo, não resisto a partilhar’ – percebo isso, mas também resmungo feito velho que uma criança espectacular multiplicada por milhares de exemplos torna tudo muito mais banal.
Lógico que depois a nossa dinâmica comunicacional também está a mudar e geram-se episódios como este em que falava com um ‘conhecido’ e lhe dizia que agora tinha de me habituar à nova realidade de ter um filho e ele olhava para mim surpreendido e me respondia ‘Então mas o teu puto já nasceu? Como não vi nada no Facebook pensei que ainda não tinha acontecido.’