Já falei aqui uma vez do afogamento por congestão. Mas o Verão está aí, e nunca é demais relembrar, porque o afogamento por congestão depois de tomar banho, a par da morte por corrente de ar, é dos piores flagelos que ameaçam milhares de portugueses.
Excepto que não. Muitos de nós, desde pequenos, fomos ouvindo que se não respeitássemos a digestão completa de um mero pão com atum, o sangue que devia estar a ajudar o estômago a transformar a sanduíche em bolo alimentar iria antes fugir para outros lados, tipo a ponta dos dedos ou o nariz do Toni. O resultado? Um ataque fulminante de “congestão”, que nos deixa à mercê da maré ou o estado de alerta do salva-vidas.
Às vezes nem eram os nossos pais. Podia ser uma tia, uma avó, ou os pais de um amigo nosso. A corrente moderada normalmente adaptava o tempo decorrido ao tamanho da refeição. “Foi só um pão? Então esperas meia hora… ai, afinal também comeste um pêssego? 45 minutos!”. Mas os conservadores sabem bem que os desígnios do sistema digestivo não se compadecem com relativismos: NÃO ME INTERESSA SE FOI UMA UVA OU UMA FEIJOADA, VAIS ESPERAR TRÊS HORAS ATÉ ENTRAR NA ÁGUA, RAPAZ!
Excepto que ninguém morre por entrar dentro de água com comida no estômago. Tenho 36 anos, nunca ‘fiz a digestão’ para entrar no mar, e não me aconteceu nada. Mais, desde os 6 meses que a minha filha toma banho todos os dias a seguir a comer um prato de sopa e uma peça de fruta – de que outra maneira é que lhe conseguíamos remover bocados de sopa ressequida do cabelo e das pestanas?
Mas não acreditem em exemplos anedóticos, sejam científicos. Procurem outras fontes. Ou testem com as vossas crianças e animais.
Mas de onde virá este mito? Quando escrevi o outro post lembro-me de ter reparado que a congestão (que não é um termo médico) como causa de afogamento tinha desaparecido dos relatórios do Instituto de Socorros a Náufragos em 2004 (entretanto foram os relatórios que desapareceram do site). Acho que o principal substituto era a palavra indisposição. Talvez faça mais sentido.
O mesmo sentido de pensarmos que um almoço típico num restaurante português pode incluir: 1 pão com manteiga, 1 sopa, 1 pão com queijo creme, 1 bife com ovo batatas fritas e arroz, 1 saladinha à parte, 1 doce da casa, 1 café. Por pessoa. E acrescentando também o vinho da casa e o digestivo. Já viram um português a tentar usar escadas rolantes a seguir ao almoço?
Pode haver, sim, o problema do choque térmico. Mas aí não interessa muito se acabaram de comer ou não, é mais uma questão de não sujeitar o corpo a mudanças muito bruscas de temperatura. Só por si não mata ninguém, mas pode ser extremamente desagradável, sobretudo de barriga cheia.
Conclusão: deixem os miúdos tomar banho no mar à vontade. A não ser que sejam muito pequenos, e seja um daqueles momentos em que aos pais até sabe bem fazer uma sesta à sombra, ou ler um livro… Tipo, depois de almoço… Ou que não dê jeito que eles se molhem e até podem precisar de uma desculpa para que eles não vão tomar banho, tipo para assust
o que mais me intriga é isto manter-se religiosamente
isto e o “vai-te calçar porque não podes andar descalço na tijoleira”
os meus filhos andam descalços em todo o lado e eu vejo as pobres das avós enervadíssimas por deixarmos os miúdos assim ao deus-dará
penso que estes maneirismos são reflexo do luxo de vivermos num país quente (é quente, sim senhor), nasci no Canadá e por lá estamos sempre ansiosos por largar lenços, casacos e sapatos
e NUNCA ouvi por lá essa coisa do ter de fazer a digestão
em relação ao post que linka, de 2013, tenho a acrescentar que a descoloração não faz crescer mais os pêlos!
p.s. acho que é a primeira vez que comento aqui, gosto muito da forma como escreve, como está nas coisas, obrigada pelas partilhas (incluindo os gifs que me fazem sempre rir) e parabéns