Uma tarde na Aldeia do Gui

No Sábado passado fomos convidados para ir ao espaço infantil do Fórum Sintra – a Aldeia do Gui – para participar numa atelier de máscaras de Carnaval.

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Sim, ouviram bem. É verdade que se algum amigo meu me perguntasse se queria passar a tarde de Sábado a um centro comercial para fazer máscaras de Carnaval, eu teria rido maniacamente enquanto lhe acertava uma pêra no meio da cara. E a verdade é que nunca nenhum amigo meu me perguntaria isso. Mas alguém achou que era boa ideia convidar-me para participar num atelier de máscaras de Carnaval e confesso que fiquei intrigado.

Já não seria a primeira vez que declinava um convite, mas achei que devia considerar. Afinal, sou um homem, ou um blogger? Não é suposto ser isto que os bloggers fazem? Ir à procura de experiências em parceria com marcas que querem beneficiar da sua visibilidade, enquanto usam os filhos para se auto-promover e receber ofertas?

Ah pois é
E também porque davam chuva e não tínhamos outros planos. Lá fomos nós pelo IC19 em direcção à Aldeia do Gui.

Já agora, um breve interlúdio de apreciação arquitectónica (de alguém que não percebe nada de arquitectura) sobre o Fórum Sintra. Não conhecia o Fórum Sintra, e admito que fiquei impressionado com o arrojo quase brutalista com que a arquitectura do centro irrompe pelo meio da paisagem urbano-campestre dos subúrbios do eixo Lisboa – Sintra. É uma amálgama de betão, estruturas metálicas e vidro, em linhas angulosas, baseadas numa palete de contrastes entre branco e tons escuros. Lembra mais um complexo de vilão bilionário do James Bond do que um centro comercial português.

Sim, é um elogio!
Sim, é um elogio!

Quando lá chegámos fomos directos à Aldeia do Gui. A Aldeia do Gui é o espaço infantil do Fórum Sintra, e vai tendo várias actividades e ateliers ao longo do ano inteiro. Nunca tinha ouvido falar da Aldeia do Gui, mas como não conheço nenhum espaço infantil de centros comerciais, isso é bom sinal.

Calha não termos o hábito de ir a centros comerciais em família. Costumo ir uma vez por semana almoçar ao centro mais próximo do meu trabalho, porque me sabe bem o ritual de comer uma focaccia de salmão do Go Natural e depois ir à Fnac beber café e ver se os livros humorísticos sobre a paternidade continuam menos engraçados do que o livro que nunca ninguém me vai pedir para publicar.

Aldeia do Gui - forum sintra
A Aldeia do Gui.

Dito isto, a Aldeia do Gui pareceu-me ser um espaço bastante simpático. Tem uma zona de infra-estruturas urbanas e culturais (ou de “casinhas”, como se diz em criancês), com o hospital, a mercearia, os bombeiros, outras coisas, e um palco. O palco tem posição de destaque na localidade, portanto vê-se que é uma aldeia que dá primazia às artes, o que parece ser uma boa filosofia.

À volta da aldeia circula uma estrada para os miúdos, que pela quantidade de crianças que lá estavam, parece rivalizar em volume de tráfego com o IC19. A estrada dá a volta à povoação, e chega até a passar por um túnel. O espaço disponibiliza trotinetes, carrinhos e outras coisas com rodas para andar ali à volta. Gostei do pormenor do túnel. No túnel os miúdos perdem os pais de vista, o que dá sempre uma emoção extra à coisa. E também deve ser por isso que as animadoras do espaço têm extra cuidado em assegurar que eles vão sempre de capacete.

Lembrem-se só que um capacete não substitui um bom par de óculos.
Lembrem-se só que um capacete não substitui um bom par de óculos.

O Atelier – Construir Máscaras de Carnaval decorria no espaço central da aldeia. A entrada era gratuita, e os materiais também. Aliás, nada na Aldeia do Gui era pago, o que me pareceu ser um óptimo princípio. No atelier trabalhava-se com aquilo que me pareceu serem bocados de cartão de caixas de ovos, aguarelas, e uma série de coisas coloridas e espampanantes para decorar e colar nas máscaras, tipo brilhantes, penas coloridas, esponjas e coisas que não sei o nome.

Quando pedi para participar, advertiram-me que o Mexicano era um bocadinho novo de mais para o atelier, e que eu teria de o ajudar nas tarefas. Aqui comecei a ficar um pouco nervoso. As mesas estavam cheias de fadas, princesas e damas antigas com ar muito compenetrado, e que transformavam as aborrecidas caixas de ovos em explosões coloridas adornadas a lantejoulas e plumas. E foi no momento em que a animadora me passou a caixa de aguarelas, dois pincéis, um copo de água suja, e disse: “agora o pai vai ajudar a pintar”, que…

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E foi naquele momento que uma enxurrada de memórias traumatizantes regressaram para me atormentar. Memórias de uma disciplina escolar que eu ainda odiava mais do que as provas de resistência em Educação Física. Memórias de Educação Visual (era assim que se chamava na altura).

Educação Visual era uma disciplina obrigatória que exigia qualidades como rigor e cuidado, associadas a coisas que sempre me pareceram abstractas, como “traço” ou “olhar”. Lembro-me do meu professor ser obcecado por uns exercícios de dividir rectas ou círculos em partes exactas, com régua, esquadro e compasso. Aquilo parecia que começava bem, mas depois chegava sempre a um ponto em que as minhas rectas já não alinhavam com os x e eu tentava desviar ligeiramente o esquadro ou engrossar o risco do lápis para que acertassem.

E o professor, que gostava de apelidar os alunos com epítetos simpáticos como “és um calhau com olhos”, dizia sempre: “caramba, isto não está aceitável! tenta outra vez!”. E lá ficava eu, a tentar que as rectas acertassem no ponto certo, enquanto os meus colegas passavam para o segmento da aula de “desenho livre”. Mais cedo ou mais tarde o professor desistia e aceitava o desenho, todo borrado e aldrabado, e eu ía para casa pensar na vida:

E eu tive de aprender a lidar com a realidade.

Mas com as aguarelas era pior. Recordo-me de uma vez termos um exercício que consistia em desenhar seis formas geométricas, e depois pintar cada forma de uma cor diferente. Eu não conseguia que aquilo ficasse bem. Ou saía para fora dos limites, ou a tinta ficava com espessuras desiguais, um verdadeiro desastre. O professor, mais uma vez vencido pela minha falta de talento, disse-me para começar de novo, mas para fazer só com três formas geométricas. Voltei a falhar. O homem, exasperado, implorou para que eu tirasse o o desenho da frente dele, o levasse para casa e o trouxesse já acabado. Claro que na semana seguinte eu apareci com o desenho impecável, pintado pela minha mãe. Eu sabia que ele sabia, mas nenhum de nós comentou o assunto. Deu-me o três menos do costume, e cada um foi à sua vida.

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Onde é que íamos? Ah, Aldeia do Gui. Aguarelas. O meu filho a ficar impaciente porque nada naquele pedaço de cartão cor de burro se parecia minimamente com uma máscara de Carnaval, e o pai a olhar fixamente para o passado, gotas de suor a escorrer pela testa e pingar no buço. Lá acordei dos traumas, e lhe perguntei se queria fazer um leão. Sim! O leão pareceu-me óptima ideia, porque era só pintar de amarelo.

Talvez seja importante saberem também que participei completamente incógnito, não como blogger. Para as pessoas do atelier e os restantes participantes, eu era apenas um pai com ar desconfortável mas que insistia em fazer uma máscara de Carnaval enquanto o filho pedia para ir brincar para o palco da Aldeia. É caso para dizer…

HORATIOPAISANA
Lá pintámos a máscara. Uma das senhoras que orientavam o atelier sugeriu fazermos um juba com as plumas coloridas, mas eu argumentei que este leão era pequenino e não tinha juba. Acho que ela percebeu que eu estava desconfortável e resolveu não insistir. Aliás, todos os participantes pareciam ter ficado aliviados quando perceberam que estávamos a acabar. Se calhar foi porque perguntei a um dos miúdos na mesa se ele era um calhau com olhos, quando ele resolveu criticar o facto de eu estar a misturar as cores entre as aguarelas sem lavar bem o pincel na água.

Ainda assim, a senhora ainda teve a simpatia de ajudar a colocar umas orelhas e uns bigodes ao leão. O Mexicano pareceu ficar entusiasmado quando viu a máscara feita. Passou a tarde a referir-se a ela como a máscara do leão, o que é bom sinal. Ainda demos umas voltas na estrada circular da Aldeia do Gui ao volante do carro dos bombeiros. Ele ao volante, eu a empurrar, obviamente. Empurrar é algo que faço de forma muito competente. Aguarelas é que não.

E, claro, o final feliz que alguns posts costumam ter.
E claro que o post tinha de ter um final feliz.


Nota: este post foi escrito no seguimento de um simpático convite do Fórum Sintra para participar no atelier de Carnaval do Espaço Gui, acompanhado de um também simpático presente pela participação. Como é evidente, a responsabilidade editorial pelo conteúdo é totalmente minha.

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4 Comments

  1. Gostei da tua historinha para “enfiar” publicidade, achei um belo começo aquele honesto parágrafo do “sou um homem ou um blogger”.
    Posto isto, anotei para ter cuidado de futuro, porque se continuas com estes posts e calha ser um produto/serviço que eu realmente ponderasse (eu por agora ainda estou na fase do “festinhas em kidzanias e companhia limitada, é que nem pensar! umas sandes de pão de leite com fiambre lá em casa e uns jogos de escondidas e está a festa feita, que foram assim as da minha infência e eram bem boas”), sou bem capaz de me deixar cair na esparrela de clicar nos links 😛

  2. “historinha”? isto é um autêntico épico, com quase três actos. 😎 Nem sei bem o que isto é, publireportagem também não me parece ser totalmente adequado. Só volto a reforçar que editorialmente é 100% da minha responsabilidade e critério. Incluindo os links, que não são afiliados ou nada que se pareça. Quando forem links afiliados eu aviso, e aí, agradeço que cliquem. 😀

    • sim, tens razão, fui injusta. Ou melhor, retraí-me para não parecer uma fã fanática 🙂 (na verdade, ri-me imenso sozinha a olhar para o ecran enquanto lia).
      Quanto aos links, a verdade é que estou tão escaldada com PUB em blogs que agora nunca clico em links nenhuns quando é assim de produtos e coisas (e desconhecia o termo cromo “afiliado” – eu não percebo nada de marketing e afins, sou de outra área em que basicamente se consegue quase tudo com um papel e uma caneta – , mas suponho que estás a falar daqueles links em que a marca depois consegue saber se o clique proveio daqui para depois contabilizar o rendimento que o post lhe deu)

      • 🙂 É por aí, mas no caso do link afiliado, além da contabilização, há mesmo um retorno acordado por cada clique, que é devolvido ao parceiro. É frequente ver-se em blogues americanos que fazem links para a amazon, por exemplo.

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