O meu pai ofereceu ao Mexicano a sua primeira caderneta de cromos. Mesmo que ainda só tenha dois anos, a temática, e o nome, são perfeitos: Animais. O Mexi é obcecado por animais, sobretudo “os da Selva”, e descobriu recentemente o prazer de colar cenas, portanto é um presente ideal. Claro que também a mim a ideia da “caderneta de cromos”, e o símbolo tosco (e inalterado) da Panini, me remeteram para aquele centro de dia nostálgico-infantil que a nossa geração tanto gosta de frequentar.
Mas depois o meu outro lado (irritante?) entrou em acção. Primeiro pus-me a pensar nos engenhos manipuladores que estão por trás de uma colecção de cromos. O primeiro apela ao impulso de jogo do ser humano. A lotaria e o desconhecido de comprar uma carteirinha e não saber o que está lá dentro. Sobretudo quando a colecção se aproxima do fim, o rasgar o papel é quase como ouvir os números de um sorteio – é quase tão viciante como o acto de colar os cromos em si.
Colar os cromos é o segundo, claro. A nossa veia de gostar de encaixar e arrumar cenas. De trazer ordem e arrumação à página incompleta. O ser humano adora encaixar. O terceiro é o apelo às nossas pulsões completistas. À compulsão, quase obsessiva, que algumas pessoas têm em não deixar nada por acabar. Aqui já não é toda a gente, há quem acabe por desistir, indiferente aos espaços em branco (tipo eu). Mas até lá já se gastaram rios de dinheiro a comprar cromos.
E, claro, há também o facto da própria caderneta ser interessante (ou sobre um assunto interessante). Vê-se que esta Caderneta Animais 2015 assenta num trabalho bem feito, os conteúdos são divertidos, estão fundamentados e até têm um certo pendor ecológico que irritará negacionistas do aquecimento global (e ainda bem). A qualidade das imagens é que não é muito consistente. Há fotografias com más composições, pouco contraste ou tons manhosos. Não são a maioria, mas esperaria um pouco mais. Também tem uma secção que utiliza Realidade Aumentada, mas ainda não tive paciência de experimentar. Mas no geral a qualidade é positiva.
Agora a caderneta também apresenta uma clara rentabilização daquilo que na gíria se chama o “encher chouriço”. São quase 400 autocolantes, e alguns encontram-se repartidos por secções ou formatos idiotas, como: o Ano do Gato (com um cromo de um gato por mês), cromos do tamanho de moedas com pássaros quase indistinguíveis entre si, “Marca Animal” ou “Animais Dançantes”.
Fazendo as contas, a colecção completa fica aí por volta dos 60-70 €, ou bem mais, considerando algumas trocas e pedidos de cromos. Não é barato. Um livro de animais com boas imagens é capaz de sair mais barato, mas não tem a experiência. A experiência é capaz de valer a pena, desde que eles aprendam que na vida não é preciso levar tudo até ao fim. Ou devia ser ao contrário?
Não entres nessa máfia das cadernetas. Fazem uma edição nova da dos Animais todos os anos. Não ganho para as carteirinhas.
Pois, a máfia de Don Panini. E sempre com gelados para gatos? Ou se calhar todos os anos fazem ‘brainstormings’ criativos.