Ao fim de 3 meses de ter sido pai pela segunda vez, posso assegurar-vos que a segunda vez tem sido tudo o que eu imaginava: um terror.
Mas já estar mentalizado ajudou. Ao contrário do que parece ser habitual na maioria das pessoas, eu não apaguei da memória e experiência dos primeiros meses de um bebé. Somando isso à já existência de uma criança de dois anos, claro que estava a olhar para um copo meio vazio (mas cheio de lágrimas e bolsado).
Mesmo a Ana, que é mas tranquila do que eu, chegou a admitir que estes primeiros tempos iam ser difíceis. A grande diferença é que a Ana – que, pelos vistos também tem memória selectiva -, achava que os tempos difíceis se resumiam ao primeiro mês. Eu sei que isto não vai melhorar tão cedo.
Como podem ver calhou-nos outro recém-nascido pouco dado a dormidas estáveis e horários regulares. Pelo menos não os podemos acusar de não respeitarem a tradição. Mas há coisas que são diferentes com o segundo filho. Como por exemplo:
#1 – Estamos mais descontraídos
No primeiro filho, ainda frescos do doutrinamento do curso pré e pós-parto, tínhamos todo o cuidado com germes e contágios, a atenção ao barulho ambiente, a perturbação de ter televisão ligada, a importância de se adaptar a uma rotina de sono, o cuidado de não deixar o bebé adquirir manhas… mas hoje em dia:
Tentar evitar germes e barulho em casa com uma criança de dois anos por perto? AH!
É a mesma coisa com o sair à rua. No primeiro filho éramos muito mais caseiros, afinal o bebé é frágil e há que protegê-lo dos elementos e das velhas na rua que lhe querem esfregar o dedo na bochecha. Mas a partir do segundo filho ficámos mais descontraídos. Íamos ao parque, almoçámos fora, lanchávamos juntos, até ao Oceanário a bebé foi com três semanas.
E isto foi porque deixámos de ter medo dos germes e da exposição a transeuntes? Não… Mas ficar em casa com uma criança de dois anos é MUITO mais assustador do que andar na rua com um recém-nascido.
#2 – Estamos mais confiantes
O segundo filho também traz uma dose reforçada de confiança. As pessoas que nos rodeiam sentem isso. É como se tivéssemos deixado de ser aqueles pais meio tontinhos e desorientados para ser uma FAMÍLIA. Os casais com mais filhos já nos respeitam. Os casais de um só filho sabem que estamos acima deles.
Mas, para ser sincero, é uma sensação de confiança estranha. A dada altura começamos a perceber que não é bem aquela confiança das pessoas que refilam com o homem do talho por causa da qualidade da carne (eu só sei que a carne é má quando está roxa), mas é mais aquela segurança do bêbado que sai da discoteca às seis da manhã e diz que “tranqilosh qui extouu beim para guiaaar”.
Pois. É a confiança de pessoas com pouco oxigénio no cérebro. Pessoas que SÓ QUEREM É DORMIR.
Tipo, o bebé acorda no berço a berrar a meio da noite? Não há drama nenhum, vem aqui dormir para cima de mim.
Epá cuidado que o bebé desenvolve manhas, ele tem de aprender a dormir na caminha dele para ver se aprende a sentir-se seguro, o co-sleeping é coisa de hippies…
Ai sim? Então aparece cá em casa às quatro da manhã e podes ensinar a este projeto de ser humano, detentor de um QI de -20, como é que se faz para dormir seguro.
Isto não tem nada a ver com co-sleeping. Isto é Fuck, I need sleeping. (É este tipo de confiança lunática de que estamos a falar)
#3 – Estamos menos exigentes
Quando não temos filhos podemos fazer o que nos apetece, quando nos apetece. Estou a falar de momentos de lazer acessíveis à maioria dos mortais, tipo ler um livro, sair à noite, jogar computador, namorar, etc. Quando temos um filho, podemos fazer estas coisas quando o miúdo está a dormir.
Quando temos um filho e um recém-nascido podemos fazer estas coisas naqueles cinco minutos em que eles estão a dormir ao mesmo tempo, que é quando um não acorda aos berros ou em que nós ainda não adormecemos.
O que leva a um repensar da qualidade destes tempos livres. Lembro-me do desespero na altura do Mexicano, em que queria aproveitar para ver um episódio de uma série ou jogar um Fifa, e ele não aguentava mais de dez minutos na cama.
Hoje em dia se a constatação é “ela só faz sestas ao colo”? Maravilha, deixa-me ir buscar o iPad que tenho imensa coisa para ler. Vinte minutos no sofá com um bebé a regurgitar bocadinhos de leite de mama coalhado no meu ombro enquanto leio a Wired? Um luxo.
Nunca pensei dizer isto, mas quando vamos almoçar fora, a preocupação agora é ir a restaurantes ‘familiares’. Não quero saber do sítio que faz Prego de Ceviche de Espadarte no Caco. Dêem-me um restaurante italiano barulhento, uma imperial, uma pizza que não tenha fruta, e sou um homem feliz.
#4 – Parece que fizemos um ‘downgrade’ de modelo de bebé
Já vos aconteceu ter de pôr o smartphone a arranjar e termos de andar com um modelo de substituição que é um telefone estúpido em que a internet é algo chamado WAP? Essa coisa sinistra de ter de aceitar que o telefone volta a ser um objecto só para fazer chamadas e enviar mensagens. Um… telefone.
É horrível, sobretudo porque sentimos que todas as pessoas reparam no nosso dumbphone e nos tomam por um qualquer Neanderthal. Apetece dizer a toda a gente que “o meu telefone habitual é um Nexus, o telefone vanilla que a Google produz, eu juro, este trambolho é só uma substituição, por favor não me julgue”.
Voltar a ter um recém-nascido em casa é mais ou menos isso.
É que ali a partir do ano e meio, dois anos, o nosso filho começa a interagir mesmo connosco. Inicia conversas, percebe brincadeiras, ri-se de piadas. E, acima de tudo, começa a entreter-se sozinho. Ver um filho a brincar sozinho é como perceber que não precisávamos de fazer sempre os trabalhos de casa. É sentir que a vida vai mudar para melhor.
Um recém-nascido é voltar à casa da partida. É que já nem há aquela ilusão de ser o primeiro bebé na casa e estarmos sempre obcecados em extrapolar todos os sinais: “olha, abriu os olhos – é muito atenta!”, “oh, hoje espirrou, que bela espirradora”, ou “bem, hoje ouviu música e franziu a testa, vai ser uma artista”.
Não. É dar de comer, embalar, e mudar fraldas. É que até o resto da família (que entretanto já viu chegar novos netos e sobrinhos), se dá ao luxo de dizer: “pois nesta fase não desenvolve muito”. Obrigado, família.
#5 – Lidar com o choque do novo irmão
Deve ser como chegar um dia a casa e ver a nossa mulher toda enroscada com outro homem. E depois de perguntamos o que vem a ser aquilo, de olhos bem arregalados como se fossemos o António Silva num filme dos anos 50, ela responder-nos com ar sereno que “é o Alberto, o meu novo amor, anda dar-lhe um beijinho”.
E nós ali, sem perceber bem o que se está a passar, porque razão levou um Alberto lá para casa, se estava tudo tão bem, e ela com explicações esfarrapadas sobre o amor não se dividir, e sim multiplicar, e que agora estamos todos juntos e vamos ser muito felizes.
Claro que a reacção normal a isto seria algo entre ter vontade de chorar como um histérico e de querer enfiar um frasco de pó de talco pela testa do Alberto. Mas não temos escolha, e, ainda por cima, vamos ter de pôr a cama do Alberto no nosso quarto.
A sério, a sensação de já não ser o centro das atenções, de ver o amor da pessoa mais importante da nossa vida estar agora focada num ser que nem distingue um popótamo de um chichauro, não anda longe disto.
E imagino que também deva estar a ser difícil para o meu filho mais velho*.
*(por acaso temos tido bastante sorte com o processo de adaptação, podemos falar nisso num outro post)
diz que melhora, mas ainda não confirmei.
Daqui a dois anos o outro também brinca mais sozinho e brincam um com o outro e vai ser aí que se respira melhor. A parte má é que dois anos é muito tempo :p
he he mt bom. Tal e qual 😉
Pela parte que me toca, obrigada por continuares o brilhante trabalho de incentivo à natalidade. 😛
É TUDO tão verdade que até sinto que alguém está a ver-nos aqui em casa!!
Muito, muito bom!!!!
Estes relatos são uma delícia de ler. Mesmo! Apesar de eu já não me lembrar bem de como foi… o mais novo (terceiro) tem quase 5 anos.
Olá André,
É a primeira vez que comento, o que é uma vergonha porque é a mesma coisa que entrar constantemente na casa de alguém sem nunca cumprimentar o anfitrião. Tenho uma filha de 16 meses e estou agora grávida de um segundo. E este post fez-me rir às gargalhadas (mas baixinho que a filha está a fazer a sesta). Eu imagino tudo isso que foi tão bem descrito mas com aquela dose de humor que ajuda a descomprimir. Acho que quando a família passar para quatro, vou ter que reler este post (e outros) para manter a minha sanidade mental.
Olá Sónia, não há nenhum problema, é que isto também não é bem a minha casa, é um barraco que eu alugo, portanto podem entrar, estar à vontade (deixar comentários que me deixam sempre bem disposto e que agradeço mesmo quando não respondo), e assistir também às minhas tentativas de manter a sanidade mental. 🙂
Bom natal!