Uma pergunta que não se faz a um pai ou uma mãe é “qual o teu filho preferido?”. Nenhum pai (com cérebro) consegue responder a essa pergunta, mesmo que o tenha (filho preferido, não cérebro). Já a pergunta “preferes o pai ou mãe?” também não se faz, sobretudo a crianças pequeninas, mas por uma razão completamente diferente.
Sendo um ser emocionalmente instável, que é outra definição de criança, o mais provável é que ele tenha mesmo um preferido (que pode ser a mãe ou o pai), e, pelo bom ambiente familiar, talvez seja melhor que não o diga alto. Cá em casa, no ranking que vigora há quase dois anos, a mãe parece dominar. Nem é preciso perguntar. Há qualquer coisa de tão especial como irritante na maneira como ele berra ‘mãeeeee’ quando está ao meu colo. E as razões para isto ser assim não são difíceis de descortinar:
#1 – A mãe não o chateia
Dentro dos vários defeitos que me podem apontar, acho que ‘chato’ não estaria no topo da lista. Aborrecido, talvez (sobretudo se a outra pessoa me aborrece). Mas é raro que alguém me desperte interesse o suficiente para chegar ao ponto de chatear essa pessoa. É por isso que eu próprio me surpreendo com a capacidade que tenho de chatear o meu filho. Ou é porque lhe arranco a chucha e digo “agora não precisas disto”, ou porque resolvo deitá-lo no sofá e fazer-lhe cócegas quando está a tentar ver televisão.
E o pior é que quanto mais ele manifesta o desagrado em relação a estas tentativas desastradas de interacção pai-filho, mais eu tenho vontade de continuar com a chatear miúdo. Um dia ele vai perceber que atirar-lhe uma bola à cabeça é na realidade um jogo muito divertido e formador de carácter.
#2 – A mãe não o faz sentir vergonha alheia
Estão a ver aquela imagem bonita da mãe que segura o filho ao colo e o balança devagarinho enquanto lhe canta ao ouvido? Agora imaginem aquele barulho da agulha a riscar o vinil e a imagem corta para um barbudo de metro e noventa entrar pela sala a dentro a imitar gritar músicas do Andrea Bocelli, ou outros artistas de semelhante calibre, acompanhadas de um qualquer género de coreografia que claramente não domino.
Estas minha tentativas de o divertir transformaram-se numa importante etapa no desenvolvimento emocional dele. É que nunca achei que uma criança de um ano fosse capaz de sentir vergonha alheia até resolver presentear o meu filho com estes pequenos espectáculos de variedades. Não sei que tipo de trauma poderei estar a causar a uma criança com este tipo de comportamento, mas não me esqueço da primeira vez que o vi a corar e desviar o olhar para os pés, para não ter de me ouvir a tentar fazer medleys de Il Divo com Laura Pausini enquanto tento dançar Tecktonik.

#3 – A mãe não lhe arranca brinquedos das mãos
A negociação é uma das armas mais fortes na coexistência pais-filhos, e nesse mundo de negócios obscuros é preciso saber utilizar trunfos como brinquedos ou outros ‘subornos’. A minha mulher já percebeu isso há algum tempo, eu não. Por exemplo, se ele está a brincar e se recusa a ir tomar banho, a Ana diz-lhe que pode levar um brinquedo. Se ele grita porque não quer interromper o puzzle para mudar a fralda, a Ana diz-lhe que ele pode estrafegar um peluche enquanto lhe besuntamos o rabo com creme barreira. E costuma funcionar.
Eu, como gosto de tornar tudo mais difícil e dramático, faço questão de lhe tirar o brinquedo na mão – porque “agora é hora de tomar banho”. A minha lógica é que é necessário haver regras e limites, e ele tem de perceber que a vida não é só facilidades; sobretudo quando somos adultos e temos saudades das alturas em que a vida eram só facilidades.

#4 – A mãe está lá para ele (de manhã)
Dentro do horário normal de trabalho, a divisão de tarefas cá em casa é bastante equilibrada. Ir levá-lo à escola, fazer-lhe o jantar, dar-lhe banho, contar-lhe uma história, adormecê-lo, são tarefas divididas pelos dois num dia normal. O problema acontece fora deste horário. O problema é achar que tenho direito a tempo próprio para fazer coisas durante a noite. Coisas como tentar dedicar-me a projetos que me aproximem de conceitos místicos como realização profissional. Ou ler um livro. Ou ver se o Gordon Ramsay vai conseguir unir mais uma família desavinda dizendo-lhes para comunicarem mais e cozinhar pasta fresca.
Isto resulta numa sucessão de noites mal dormidas que fazem com que o meu cérebro se recuse a acreditar que aqui em casa existe um criança que às vezes acorda a meio da noite, ou que às 7:30 da manhã exige atenção e brincadeira. Eu só vou lá com murros nas costelas, portanto é a mãe que, estoicamente, assume estes momentos. É a mãe que acorda com ele de manhã, lhe dá o pequeno-almoço, e brinca com ele até que o pai se digne a acordar*.

*ou que a mãe diga: vai acordar o “#!”#” do teu pai
#5 – Ele ainda não gosta de jogos de tabuleiro
Estou preparado para mais uns anos de ser nº2, mas acho que tudo vai mudar assim que ele tiver idade para jogos de tabuleiro. Que criança não gosta de jogos de tabuleiro? Não conheço nenhuma. E que adultos odeiam, desprezam, sentem náuseas à mera menção de uma eventual partida que envolva um jogo de tabuleiro? A minha mulher.
É aqui que eu acho que vai surgir a minha oportunidade de passar para a dianteira da competição “pai preferido cá de casa”. E sim, estou pronto para começar por aqueles jogos mais básicos como a Glória, aquele de arrumar as peças nas raquetes coloridas ou até o Monopólio. Mais cedo ou mais tarde vamos estar a passar para o Risco, o Catã, e a descobrir coisas mais sofisticadas. Vai ser espectacular.

#6 – ELE SABE
Já escrevi aqui sobre o facto de não ter experienciado “os céus abrirem ao som dos acordes de um filme da Disney, a vontade de comprar uma carrinha TDI, planear férias com casais amigos” no dia em que o meu filho nasceu. Foi um dia interessante, certo, mas não consigo dizer que um dia passado num hospital tenha sido o melhor dia da minha vida. Nem que quando olhei para o bebé tenha sido acometido por algum achaque de amor transbordante. Não fui.
Não é que, de certa maneira, eu não soubesse que estava ali um ser humano que se iria tornar numa das minhas principais razões de viver e trazer um significado novo à minha existência. Só não sabia o que sentir em relação a isso. Na altura não era evidente que felicidade transbordante fosse a emoção certa. É confuso.

E se calhar ele sabe. Se calhar ele sabe que, ao contrário da mãe que o pôs fisicamente neste mundo e que, logo aí, sentiu um amor imenso que encheu aquela sala de partos salpicada por fluidos e substâncias pouco agradáveis, o pai às vezes precisa de algum tempo. Mesmo que já não precise de saber o que sentir, ou de perceber como é que algo tão forte continua a crescer todos os dias. Quase como um universo infinito que se continua a expandir em direcção a um tempo e espaço infinito. Eu vou lá.
Cá em casa eu sou claramente a Nº1 (em relação aos três – duas meninas e um menino), mas há muitas vezes em que não me importava de ser a Nº2…
Em relação aos jogos de tabuleiro, também gosto imenso!
As pessoas fazem com cada pergunta! 🙂 Quando era miúda, sempre que ía à terra da minha mãe, as vizinhas perguntavam: então, gostas mais de Lisboa ou daqui? E eu dizia sempre o mesmo: gosto de viver em Lisboa e gosto de passar férias aqui. Mas preferir pai ou mãe é somente ridiculo, mesmo porque normalmente as preferências vão alternando ao longo do crescimento deles e especialmente porque faz a criança pensar (ou até ficar angustiada) em algo que nem lhe ocorre pela cabeça. Identifiquei-me em especial com a parte da manhã. Não é raro ser o meu marido a dar-lhe o bom dia primeiro que eu precisamente por esses motivos. Não tenho culpa, ele é madrugador e eu vou noite adentro. Tou tramada, lá se vai o vínculo 😉
Cá por casa as coisas já estão mais equilibradas 🙂 Também não me importo de ser a Nº 2 muitas vezes e ser menos chamada para ajudar nas atividades e brincadeira e wc lol.
Com o avançar da idade as minhas miúdas ficaram com uma “paizice” bem mais acentuada. Thanks God :p