Tenho pouca sensibilidade para captar as nuances comportamentais de pessoas que não me são próximas. Insinuações e ironias encapotadas passam-me muitas vezes ao lado, sobretudo se o assunto ou a pessoa não me interessam muito (o que acontece com alguma frequência). Infelizmente não sou uma pessoa de pessoas. Infelizmente, porque é uma característica útil no mundo em que vivemos, e às tantas torna-se cansativo terem de me explicar pela sétima vez que o Macieira da contabilidade não estava a ser simpático quando disse “eu sei que tens um ritmo próprio de trabalhar, portanto não tenhas pressa, envias isso quando puderes”.
Ainda por cima, ser pai implica abrir toda uma nova frente de exposição a críticas na nossa vida. Comidas, escolas, comportamentos, sonos, a melhor maneira de fazer isto ou aquilo, o que não se deve fazer, o que é melhor fazer, etc. Não tenho problema nenhum com uma boa discussão, até gosto. O verdadeiro problema vem quando a crítica vem sob a forma de sugestão não–bem-intencionada, acompanhada por um sorriso e uma dose de passivo-agressividade.
O guião é quase sempre o mesmo. Um qualquer personagem secundário do nosso quotidiano faz uma observação aparentemente inocente sobre o Mexicano, eu respondo de forma simpática e, uns minutos depois, a Ana comenta comigo: “ouviste bem o que aquela estúpida disse? Mas fizeste bem em ignorar, só não sei como é que consegues”.
O que vale é que a minha mulher topa bem esta gente, e eu começo a aprender com ela. Vou dar-vos alguns exemplos práticos. Quando a pessoa diz:
#1 – “Ai hoje o menino veio sem casaquinho? A mim parece-me que está frio!”
O que eu ouço:
A sensação de temperatura é realmente um conceito subjectivo, eu acho que está frio, já o senhor, pela maneira como vestiu a sua criança, deve discordar, muito interessante.
O que a mãe ouve:
Que gente tão irresponsável! Essa criança está aqui está com uma pneumonia!
#2 – “Se calhar já está na altura de cortar o cabelo ao menino…”
O que eu ouço:
O cabelo dele está um bocado comprido demais, vê-se porque a franja já lhe cai nos olhos.
O que a mãe ouve:
Coitado do miúdo, não lhe cortam o cabelo – parece uma menina!
*ninguém? a sério?
#3 – “Ah, já reparei que este menino gosta muito da chucha!”
O que eu ouço:
Vejo-o muitas vezes com chucha.
O que a mãe ouve:
Tão pequeno e já viciado na chucha, deve ter carências emocionais e a culpa é dos pais!
#4 – “Acho óptimo que esteja só a mamar aos 4 meses de idade, mas deviam complementar com o biberão!”
O que eu oiço:
Quando eu era pequena morriam muitas crianças à fome na aldeia, portanto qualquer bebé que não consigamos fazer rebolar por uma montanha abaixo, é um bebé doente.
O que a mãe ouve:
Estas manias da amamentação vão matar o miúdo à fome! Devia ser chamar logo a Segurança Social, é culpa da mãe que está descompensada.
#5 – Ah, que engraçado, são os pais do Mexicano, aquele que gosta de morder a minha filha?
O que eu oiço:
[esta percebi bem, nem que fosse pelos crazy eyes.]
O que a mãe ouve:
O vosso filho é um perigo para a humanidade e vocês estão a falhar como pais!
O que nos os dois pensamos:
Se a filha sai à mãe, as dentadas são merecidas.
Às vezes há uma linha muito ténue entre uma observação sem maldade nenhuma e uma crítica ou ironia encapotada. Fiquei a pensar nisto quando uma vez uma colega me perguntou, pouco depois do meu filho nascer, como é que ele ser “portava”. E eu respondi “é um querido, não tem sido nada chorão”. Ora, juro que só estava mesmo embeiçada e chamava-o de querido por tudo e por nada. Também diria facilmente “é uma querido, muito cagão”. Ela mudou logo o tom de voz e respondeu de uma forma meia ofendida ” Oh X, os bebés que chorão muito também são queridos!”. Eu não apanhei a coisa, fiquei meia abananada a tentar ligar os circuitos e continuei a conversa normalmente. Só depois de desligar o telemóvel se fez luz e lembrei-me que há tempos tinha-me contado que uma das filhas dela chorava de noite e de dia. Portanto, para ela eu estava a dizer que a filha dela não era querida, em vez de dizer que o meu filho era querido. Não sou melhor que ninguém mas quando me sinto criticada tento mesmo perceber se sou eu que estou a enfiar carapuças ou se é a outra pessoa que precisa dum calduço 🙂
Pois é, também tenho andado a perceber que o mundo da diplomacia pedagógica é muito complexo.
os cães ladram e a caravana passa!
post assaz pertinente é o que tenho a dizer…
🙂
Tipico… ainda mais se fores tu ( o pai ) que por vezes o leva ao infantario sozinho…
O que eu respondo:
( nota: fazer cara de “mau” e sorrir simultaneamente )
Qual é o problema mesmo ? Não estou a perceber!
Geralmente é seguindo de uma frase da nação contrária dentro do genero de : “Ah nada, nada.. parecia-me..” isto ou aquilo…
Acho que cobre todas essas situações e mais algumas.
Nova nota:
Nunca te deves esquecer do sorriso na cara de “mau” pois é a tua carta de salvação para o caso de perceberes a tempo ( ou não ) que a nação contrária tem ou pode eventualmente ter razão.
ahaahahahahahahahahhahhahhaahhaahhhahahhahahh
Ahahahahah, tão bonito e tão verdade!!
Acho que a melhor que me aconteceu foi uma sra querer dar-me o seu chapeu de chuva, tinha eu a minha filha mais velha no marsupial, e estava a pingar… Nao aceitei, mas não foi facil 🙂 eu que sou uma pessoa de pessoas, tenho aprendido imenso!
Também já senti esses olhares de reprovação quando o carro está só a 30 metros da porta, ele está de capuz, mas vamos sem chapéu… Em Portugal espreita uma constipação em cada pingo e corrente de ar. 🙂