Nenhum bebé nasce génio, já estabelecemos isso. Mas, tendo em conta o ponto de partida, as conquistas que um bebé faz durante os primeiros meses de vida são espectaculares. É que em termos de mobilidade, presença física e capacidades motoras, um recém-nascido não é muito diferente de um naco de picanha.
Isto se os pedaços de picanha tivessem a cara esborrachada e penugem nos ombros, claro. Ou se gritassem por tudo e por nada. Mas ao fim de uns dias começam a acontecer coisas. Nos primeiros 18 meses (ou 1 ano e meio, para quem não fala bebês) o bebé vai alcançando uma série de vitórias cognitivas, motoras, e até fisiológicas, para gáudio dos pais e aborrecimento das pessoas que têm de ouvir estas histórias.
Dentro destas várias etapas de desenvolvimento do primeiro ano e meio, há um conjunto de avanços, no campo físico, que ocupam um lugar especial na gabarolice paterna. Uma espécie de Big Four: Sentar, Gatinhar, Pôr-se de Pé e Andar.
#1 – Sentar
Quando acontece: entre os 4 e os 8 meses.*
Eu sei que parece estranho, mas antes de ser pai ainda sabia menos sobre o funcionamento dos bebés. Nessa altura, sempre que algum pai ou mãe lunáticos achavam boa ideia passar-me um recém-nascido para as mãos, havia sempre alguém que gritava quando eu tentava sentar ou erguer a criança. Aparentemente a Natureza tem um sentido de humor estranho, então deu aos bebés uma cabeça gigante e um pescoço com a resistência de um lápis, o que significa que um bebé só se consegue sentar quando começar a desenvolver os músculos superiores.
Não nos podemos esquecer é que, nas primeiras tentativas, ele ainda não se vai sentar muito bem. É melhor pôr umas almofadas de lado e ter cuidado com correntes de ar. É que podemos ter de ir a algum lado e, ao voltar, reparar que ele ainda ficou ali uns minutos de cara no chão (falo de uma situação hipotética, claro).
#2 – Gatinhar
Quando acontece: entre os 6 e os 12 meses.*
Outro dia li que os bebés dos homens primitivos não gatinhavam. A razão é que os homens primitivos não viviam acima das suas possibilidades, e não gastavam dinheiro em luxos como alcatifas, soalhos ou tapetes. Dada a alta probabilidade do bebé esfolar um joelho num calhau ou num escorpião, achavam que gatinhar não era uma ideia muito boa. E é bem provável que tivessem razão, mas por um motivo diferente.
O verdadeiro problema é que um bebé quando começa a gatinhar não tem qualquer noção do que é nojento. A relação mão-chão-boca é de uma promiscuidade assustadora. Até os cães, que são seres bem porcalhões, têm sempre o cuidado de cheirar ou examinar qualquer porcaria antes de a comerem. Os bebés não, vai tudo para a boca. Eu reajo mal ao discurso do antigamente é que era bom, mas neste caso tenho de reconhecer sabedoria aos nossos antepassados.
#3 – Por-se de pé
Quando acontece: entre os 8 e os 15 meses.*
Imagino que, para um bebé, por-se de pé deve ser o equivalente a passar a viver numa casa de dois andares. De repente avista todo um novo plano de mesinhas, sofás, cadeiras, e diversos objectos, que passam a estar ao alcance das suas mãos e temperamento. A tragédia é que ele passa a querer todas estas coisas. De cinzeiros a comandos de televisão nada está a salvo. Bastam cinco segundos de distração para estar de beata ao canto da boca a ver pornografia soft na CMTV.
#4 – Andar
Quando acontece: entre os 10 e 18 meses.*
Já falei aqui um bocado sobre andar. O andar é uma das principais etapas que separa ser bebé de ser meninos ou menina. É também um importante marco na evolução da espécie, que nos deu horizontes mais longínquos e outras vantagens competitiva sobre os restantes animais. Mas a quantidade de quedas, tangentes e trambolhões que o miúdo dá quando começa a andar fazem-nos duvidar se é realmente uma boa ideia isto de nos apoiarmos em apenas duas pernas. O facto de conseguirmos sobreviver a esta fase do crescimento parece ser um milagre. Sempre que o vejo a atravessar a sala em passos bamboleantes e com os braços estendidos para se equilibrar melhor, lembro-me do estado em que o meu amigo Xico saía das discotecas. O facto do meu amigo Xico ter conseguido chegar sempre a casa mais ou menos incólume também era um milagre.
Mas é claro que a primeira vez que lhe largamos as mãos e o vemos a colocar um pé à frente do outro, é uma sensação muito forte. Uma combinação de orgulho e assombro porque nunca imaginámos uma picanha a caminhar na nosssa direcção. Depois ele cai e temos de fingir que não foi nada de especial, dizer logo “vá, levanta-te” enquanto ele olha para nós e decide se vai chorar ou não. É díficil ter de conter as sensações que temos quando vemos um filho a cair, porque o que apetece mesmo é rir.
*aviso: esta estimativa de datas é muito pouco científica, nem tenho bem a certeza porque a inclui no post, mas gosto da quebra visual que dá ao texto. Se o vosso filho ainda não atingiu algumas das etapas depois do prazo indicado, falem com quem percebe realmente destes assuntos (um profissional de saúde ou a minha mãe).
Mais um post fenomenal!
Gostava de conseguir escrever assim desta forma condensada sobre os 18 meses de uma criança, assim fica condensadamente espectacular e divertido!
É que ao escrevermos ao fim de uns meses também conseguimos reter apenas a parte mais engraçada (não que andar às cabeçadas seja (sempre) engraçado), no entanto faz parte daquele mecanismo biológico que nos faz esquecer a parte pior (e voltar a ter mais filhos! lolololol).
Sendo assim, só consigo escrever de forma detalhada as tais histórias aborrecidas de que virou moda o pessoal queixar-se. 🙂 Espero que pelo menos os putos daqui a uns anos gostem!
Parabéns por mais este esclarecimento, tenho um amigo que vai ser pai e já lhe recomendei o blog em vez de se entupir de livros 🙂
Obrigado, Andreia. Esse processo da memória selectiva é muito engraçado, e verdadeiro. Confesso que neste post tive de puxar um bocado pela cabeça para me lembrar do sentar e de momentos mais recuados, na altura é sempre tudo mais intenso. Lembro-me mesmo de responder a pessoas que perguntavam “como está o Mexicano?”, com um “está óptimo, já se senta”,que, para um pai recente, deve ser uma coisa ao nível de “entrou para a faculdade” mas para quem está de fora deve estar mais ao nível de “comi ovos ao pequeno almoço e não foi num hotel”. Por acaso a versão inicial deste post estava mais detalhada, tinha o dobro do tamanho mas metade da piada, o que é costume na maneira como ‘ataco’ os assunto, mas acho que isto só enriquece estes blogs, são os diferentes pontos de vista, etc. 🙂 Que a Força esteja com o teu amigo.
É nos detalhes que está a maior graça do teu blog. Gargalhada com “falem com quem percebe realmente destes assuntos (um profissional de saúde ou a minha mãe).” 😀
não sei como é que isso foi parar ao texto. :->
Eu adoro é obvio prazer de quem vê um filho a crescer, e a partilha desse prazer escrito de uma forma tão espirituosa!
Obrigado, Joana. Algo relacionado com a temática geral deste blog, o Kurt Vonnegut tem uma frase de que gosto muito: “Laughter and tears are both responses to frustration and exhaustion. I myself prefer to laugh, since there is less cleaning up to do afterward”.
Claro que a paternidade não é só frustração e exaustão. A maioria das vezes… 🙂