Pouco depois do report dos 14 meses o Mexicano começou a andar. E não há dúvida que andar é uma das conquistas mais impressionantes dos primeiros tempos de um bebé. A capacidade de se apoiar exclusivamente nos membros inferiores, perscrutar o horizonte e avançar em busca de uma conquista territorial, podem ser pequenos passos para um bebé – mas é uma metáfora de gigante sobre a evolução da nossa espécie.
Mas há muito mais coisas a acontecer. Se, nos primeiros meses de vida, o bebé, apesar de não parecer muito competente, se desenvolve a um ritmo frenético (passado uma semana já não era parecido com o Mickey Rourke), por esta altura sente-se que se ali se forma toda uma mundividência. Ou mesmo o crescimento e expansão de um novo universo, se pensarmos que existe um universo dentro de cada um de nós, para ir buscar uma bonita imagem ao Talmude – um livro que, obviamente, nunca li.
A cada dia que passa também vão aparecendo cada vez mais palavras. Quase todas de grande economia silábica, onde eu sou o “pá” e a mãe a “má”, o que me parece justo. E, excepto para as palavras de primeia necessidade (ábua, pápa, tsussa), confesso que ainda não percebi qualquer tipo de lógica na escolha das palavras que diz e, se tivermos sorte, repete. Já há quase quatro meses que apontou uma abeia quase perfeita, mas nunca mais consegui que repetisse essa palavra. Aliás, sempre que lhe peço para repetir uma palavra nova que acabou de dizer, olha para mim com o ar mais perplexo do mundo, como quem pergunta “és estúpido? acabei de dizer essa palavra, porque é que a haveria de repetir?”.
Sabe também reconhecer e apontar vários tipos de seres e objectos em livros, denotando uma clara preferência por animais, pás e bandeiras – outro mistério. Menos impressionante, mas muito mais prático, é a capacidade de se apoiar nas mãos e içar-se na banheira quando lhe pedimos para lavar as partes baixas (utilizamos outra palavra, mas seria intimidade a mais para este blog). Também continua com aquele receio de estranhos que é saudável nos bebés, e que, sinceramente, é um descanso, porque desde que nasceu que tenho um medo terrível de ir com ele na rua e vê-lo pedir colo a um qualquer delinquente que esteja a passar.
E isto é tudo muito entusiasmante mas, para mim, nada se compara à sensação de ter sido desafiado pela primeira vez. Não estou a falar de ser contrariado, ou até castigado, pelo Mexicano. Isso acontece há algum tempo. Mas, aqui há umas semanas, houve um dia em que ele se preparava para fazer uma asneira qualquer, nada de grave, provavelmente dar uns cascudos na televisão; e, depois de parecer não ter ouvido o meu primeiro não, ao segundo não estancou, olhou para mim calmamente, e houve qualquer coisa que brilhou naqueles olhos cinzento-esverdeados-continuamos-sem-perceber-que-cor-é-aquela. Qualquer coisa que queria dizer “eu percebo o que estás a dizer, mas não me parece, aliás, vou fazer exactamente o contrário do que me estás a pedir, motherfucker“. E pumba, lá enfiou uns cascudos na televisão.
E eu sei que me vou arrepender de dizer isto, mas é uma sensação incrível, esta de sermos desafiados por um filho. De ver o nosso filho a desenvolver uma personalidade, a querer demarcar o seu espaço à custa do nosso. A explorar o mundo e os seus limites. Claro que nos compete também mostrar-lhe esses limites, de reforçar o que não é permitido, de sermos firmes e decididos, para lhe dar a estabilidade e as referência para crescer feliz e equilibrado, mas confesso que ver estes primeiro actos de rebeldia é assombroso (sobre a angústia de aceitarmos que um filho se vai tornando cada vez mais independente, falarei noutra altura).
Vê-lo tentar manipular os avós, para ver se tem mais atenção que os primos, ou rir para chamar a atenção numa sala cheia de gente, é perceber que já não temos um bebé em casa. Há quem lhes chame manhas, mas é bem mais do que isso. São pequenos gestos cheios de significado, primitivos e poderosos instintos de sobrevivência, motores de desenvolvimento do ser humano. Mas também um aviso de momentos mais desgastantes, de conflitos inevitáveis. É que não há nada de entusiasmante nas primeiras birras de independência, que também apareceram por estas alturas. O T.B. Brazelton descreve-as como explosões frustração que resultam da luta da criança pela sua autonomia. É duro perceber que o nosso filho não sabe bem porque está a chorar, ou que de repente pegar-lhe ao colo parece ser a pior coisa que lhe podemos fazer. Outro dia, no meio de uma birra destas, lembrei-me do velho TB, enchi-me de confiança e disse à Ana “deixa-o resolver isto sozinho, vamos pô-lo no chão e dar-lhe espaço”. Trinta segundos depois já estava calmo.
Essa vitória, claro, foi só dele. Mas sei que não vai ser sempre assim. Não tenho grandes ilusões. Já vi, pelos amigos que têm ido à frente, que isto é só o aquecimento. Vêm aí os Terrible Twos, e aí é provável que as coisas já não me pareçam tão cheias de significados. Motherfucker.
O “meu mai novo” tem 17 meses… adorei a parte ” sempre que lhe peço para repetir uma palavra nova que acabou de dizer, olha para mim com o ar mais perplexo do mundo, como quem pergunta “és estúpido? acabei de dizer essa palavra, porque é que a haveria de repetir?”.” Chorei a rir!!….. tão bom!
Também ha a variação de começar a usar a mesma palavra para coisas diferentes, mesmo sabendo dizer os nomes, que parece ser mais do género de ‘gozar com a nossa cara’. 🙂
Muito bom! Estes post são mais ou menos como eu penso e nunca conseguirei/terei tempo de escrever.
O meu Karma é um bocadinho pior, com 3 miúdas de várias idades. E como mãe de raparigas, a nossa dialética freudiana será tão mas tão *rica* e *interessante*…
Respect. 😉
André,
Parabéns pelas conquistas, mas lamento dizer-lhe que acabou o “sossego”: quando me diziam, nos primeiros meses de vida da minha primeira filha “aproveita que essa é a melhor fase”, eu, cheia de olheiras de não dormir, pensava: “ela só deve estar doida, não deve estar boa da cabeça”. Mais tarde, mais ou menos aos 2 anos e meio, percebi bem o que queriam dizer. Mais tarde com o nascimento da minha 2ª filha aproveitei muito mais os primeiros meses, porque sabia que depois disso viria bem pior. Mas longe de mim em desanimá-lo 😉
Começo a ver que se, felizmente a minha definição de sossego também tem vindo a ‘desenvolver-se’. :}
Vou dizer uma coisa extremamente irritante que odeio que me digam, mas que, em situações destas, não resisto a dizer: os terrible two são um mito!! Os três, ui, isso sim, são a verdadeira provação. Mas também já me disseram que os quatro é que são… Resta-me o consolo de pensar que também nós cresceremos neste processo… Eheh De qualquer maneira, adorei o post e ainda me fartei de rir com o “pá” e o “má” 🙂
E para os pais da Miley Cyrus foi ainda mais tarde. 🙂
André, e psicologia inversa, já te aventuraste? 😉
já pensei nisso, mas tenho medo de que também tenha o efeito inverso em mim. -_-
Eu adoro essa fase dos dois anos. É verdade que vem acompanhada de alguns momentos de frustração completamente compreensivel. De repente podem andar, falar, fazer montes de coisas sozinhos, e mesmo assim decidem tudo por eles! Eu adoro. É o inicio do dialogo, e eu sou uma conversadora, pelo que gozei muito muito esse inicio sem fim! Espero que gozes também!