Uma das características distintivas dos nerds, dizem os estudos, é a propensão para desenvolver obsessões. Como já terei dito, a ser considerado nerd, não serei um daqueles muito impressionantes, dotado de uma inteligência savant capaz de desvendar mistérios criptográficos ou perceber a lógica dos menus do Portal das Finanças. Mas de obsessões temáticas percebo eu. De vez em quando, dá-me para ficar obcecado por um tema qualquer e passo semanas a ler tudo sobre esse assunto. Sempre superficialmente, claro.
No caso do vinho, tive a sorte de poder ter acesso a garrafas com nomes respeitosos, o que me fez embarcar numa aventura de cursos, provas, dentes manchados, idas estratégicas à casa de banho e livros de gajos franceses a falar de moléculas. Calma, entretanto já deixei de ser aquele gajo chato que vai a casa das pessoas embirrar com os copos e olhar para o Monte Velho com um ar de reprovação; mas houve uma ou outra coisa que aprendi, e que gostava de partilhar convosco. Penso que talvez possa ser de utilidade a pessoas que gostam da boa vida. Ainda que em Portugal toda a gente perceba imenso sobre vinho.
Então resolvi pedir ajuda a alguns memes famosos para falar de:
#1 – Arejar o vinho
É verdade que há alguns vinhos que beneficiam de uma boa oxigenação, para libertar aromas, estender as pernas, essas coisas. Mas não é abrindo uma garrafa meia hora antes de a beber, e deixá-la na mesa como se estivesse de castigo. A superfície do vinho que entra em contacto com o ar, utilizando esse método, continua a ser ridiculamente pequena. A maneira mais simples de oxigenar o vinho é servi-lo para o copo. A decantação também pode ser uma boa opção, mas em vinhos mais delicados (idosos) pode resultar na morte do artista.
#2 – Guardar o vinho
Não estou a dizer para encomendarem uma destas caves subterrânea à Batman dos vinhos, mas apenas para evitar a tendência que toda a gente tem em guardar garrafas no pior sítio de sempre – a cozinha. A cozinha tem tudo o que de mal faz ao vinho – excepto a comida, claro – electrodomésticos barulhentos e que vibram, odores, amplitudes térmicas, etc. Se têm vinhos que querem guardar por mais de seis meses, descubram um local mais adequado, tipo debaixo do berço do miúdo. Se não tiverem nenhum sítio decente, também há aqueles pequenos frigoríficos para vinhos. A regra para decidir se vale a pena comprar é: o preço combinado das garrafas que têm em casa ultrapassa o de um modelo minimamente decente? Se a resposta for positiva, talvez valha a pena investir nisso.
#3 – O teor alcoólico do vinho
Não sei bem porque é que isto aconteceu, mas desde há uns anos para cá uma grande parte das pessoas que consome vinho começou a achar que o grau alcóolico está relacionado com a qualidade. Claro que mais álcool quer dizer mais açúcar, e o mundo está cheio de viciados em acúçar (eu entre brigadeiros e croquetes, vou sempre para os croquetes), ou então é uma preocupação económica – maximizar o grau de bebedeira por copo, não sei. O álcool é uma componente importante na qualidade do vinho, mas tem de estar em equilíbrio com outras (acidez, taninos…). E, se é verdade que um vinho tinto com 14,5º pode ser mais equilibrado que um de 12,5º, a partir do momento em que se ouvem pessoas a gabar os 15º da garrafa que compraram ou a achar que os vinhos alentejanos são os melhores do país, alguma coisa está errada.
#4 – Relação qualidade-preço
As pessoas, em geral, têm uma ideia estranha na relação qualidade-preço do vinho. Outro dia alguém comentava que tinha feito uma loucura e comprado uma garrafa de 10 € para um jantar caseiro a dois. Loucura é comprar um vinho do Bussaco com 50 anos em leilão e arriscarmo-nos a chegar a casa com o vinagre mais caro de sempre. Não é comprar um Vinha Grande tinto ou um Esporão branco no Pingo Doce. E não estamos a falar de pessoas que passam por dificuldades económicas. Mas pessoas que não pensam duas vezes em pagar 8 euros por um vodka martelado numa discoteca. Ou 10 euros para ver um filme mau no cinema acompanhado por um balde de manteiga e açúcar. Eu não acho que o vinho tem de ser caro para ser bom, mas há patamares de qualidade. A partir dos 4-5 € já se bebem coisas decentes (boas até, no campo dos brancos). E no escalão dos 7-10 € já se bebe um bom vinho, e se duas ou três vezes por ano gastarem aí uns 30 euros numa garrafa, é provável que ainda se lembrem desse vinho passado muito tempo. Ou não. Depende da quantidade que beberem.
#5 – A rolha
Ainda que não pareça, há uma razão lógica por trás de muitos daqueles rituais irritantes que antecedem beber o vinho. Há que esperar que o vinho seja devidamente observado, cheirado e provado antes de decidirmos que a garrafa merece o dinheiro que nos pedem por ela. O vinho, felizmente, é uma bebida volátil e sujeita a caprichos biológicos e químicos, e uma pessoa deve proteger o seu investimento – sobretudo num restaurante. Só que a dada altura alguém achou é que cheirar a rolha é parte muito importante desde processo. Não é. Existe um problema muito aborrecido que se chama contaminação do vinho por TCA, também conhecido por rolha, uma espécie de fungo que pode contaminar a cortiça e estragar o vinho. Mas, mesmo que isso aconteça, a rolha irá sempre cheirar a rolha. Há alguns pormenores que se podem intuir a partir da observação do estado geral da rolha, mas não são nada conclusivos em relação à qualidade geral do vinho.
É como se vos dessem um pastel de nata a provar e vocês o lambessem. Não descobririam nada sobre esse pastel, e faziam figura de parvos (a não ser que seja a vossa cena, lamber pastelaria diversa, aí tudo bem).
#6 – A temperatura de servir o vinho
Este é um dos principais atentados ao vinho, sobretudo aos tintos. Acho mesmo que esta é a razão pela qual o vinho perde potenciais adeptos. Depois de andar anos a beber vinho tinto quente, a saber e a cheirar a álcool, a primeira vez que bebi um vinho aberto à temperatura correcta, entre 16-18º (aí uma meia hora no frigorífico antes de abrir), foi como um ritual de passagem. Foi perceber que havia vida para lá da cerveja. Pode dizer-se que o vinho tinto deve ser bebido à temperatura ambiente, mas não é o ambiente quente dos 40º da marquise onde vocês guardam as garrafas. E isto aplica-se a Portos, Madeiras, Moscatéis e Carcavelos, de forma redobrada (redobrada porque são os nossos Big Four – os que jogam na Liga dos Campeões do vinho mundial).
#7 – O Vinho Verde
Se o ponto anterior indigna os velhadas, que gostam do vinho quentinho, este então destroça-lhes completamente a realidade. Em Portugal há a ideia, com alguma justificação histórica (mas remota) que existem vinhos verdes e maduros. Esta classificação há décadas que deixou de fazer sentido, mas ainda dá azo a disparates como “temos vinho verde, branco ou tinto”, ou “este não é branco, é verde”. O Vinho Verde refere-se a uma região, não a um tipo de vinho, portanto seria como dizer “queres vinho douro, branco ou tinto?”. Claro que como estratégia de marketing a diferenciação pode fazer sentido, mas não se enganem: um vinho verde branco é um vinho branco, e há vinhos verdes brancos que são dos melhores brancos que se bebem em Portugal. Já dos vinhos verdes tintos é melhor não falar.
Era isto. E se um vinho vos está a saber bem não deixem ninguém convencer-vos do contrário. Mas também não bebam porcarias.
Bato palmas de decantador em punho, mesmo que não saiba bem porque estou a utilizar este objecto para esse efeito.
E, embora ache que este post devia saber melhor acompanhado de um pacote ou dois de vinho (sou exigente), thumbs up para a utilização do Most interesting man in the world nos memes.
Os vinhos verdes tintos o quê? Não percebi se gostavas ou detestavas…
Eu com um belo arroz de cabidela, cai-me muito bem o verde tinto. Aconselhas outro tipo de vinho?
Abraço
De facto, com cabidela, dizem os entendidos, o verde tinto é um candidato natural para acompanhar (o vinagre e tal). Mas não sou muito fã. É verdade que hoje em dia já não são o horror de alguns anos atrás, os Aphros, p.ex., são vinhos bem feitos. Acho piada beber um copo, mas não mais do que isso, continuo a achá-los muito agrestes.
Para cabidela, ou mesmo arroz de lampreia (mmmm), se der, vou para um Bairrada (de preferência Baga), já com alguns anos (para ter os taninos mais soft), como por exemplo, um Quinta das Bágeiras Reserva, ou um Garrafeira (se for dia de festa).
Abraço
Bem visto essa do Bairrada!
Obrigado.
Muito bom! Já enviei para o senhor que mora cá em casa, apesar de ainda não me ter perdoado de me visto livre do frigorifico dos vinhos (o “mono”).
Obrigado. 🙂 Mas eu também não perdoava. -_-
Interessante!
Eu sou a exceção a isto: “Em Portugal toda a gente percebe imenso sobre vinho”. Não percebo, mas também não bebo, por isso… Mas se mudar de ideias, venho reler este post!
Boa tarde.
Onde foi buscar essa de não haver vinhos Verdes,Alvarinhos ou Maduros ou Americanos ou Rosés ,Espadeiros ,Espumantes,Frisantes,enfim.
O senhor não deve ser do Norte de Portugal para falar e comentar assim acerca de vinhos .
Cumps
haver há, há de tudo, mas não são designações que caracterizam o vinho ‘categoricamente’, por oposição a brancos ou tintos. Distinguir entre um vinho verde branco de um vinho branco, é a mesma coisa que distinguir um espumante de um champanhe. O vinho verde branco continua a ser um vinho branco, e o champanhe um tipo de espumante.
Obrigado por responder :
Não sou expert na materia mas sempre ouvi falar de vinhos por parte de pessoas experientes e para mim defino desta maneira:
1º Ha Cerveja ,Refrigerantes ,Licores,Brands,Aguardentes,Wiskies,etc etc e VINHOS
Dentro dos vinhos na generalidade temos:
Os Verdes ,(regiao do Douro e Minho ),unicos no mundo, Maduros ,Roses ,Espadeiros ,Frisantes,Americanos ,Espumantes .
Dentro dos Verdes temos o Branco ,o Tinto e os Rosés..(9º a 10º~~)
Dentro dos Maduros temos os Brancos os Tintos aqui (11º a 13.5º~~)
Dentro dos Maduros temos o unico no mundo O Porto (19º) que pode ser Branco Ruby ou Rosé.
(Temos ainda os de bica aberta que parecem brancos mas são de uvas tintas
O Douro Litoral é a unica região de Portugal que tem bons vinhos Verdes ((premiado agora ,o da Quinta da Aveleda 2013)),Alvarinhos ,Maduros de alta qualidade,onde se inclui o Porto e Vinhos Espumantes .
Para finalizar quero salientar que se há uvas brancas ,tintas e rosadas o vinho por exclusão de partes toma a mesma designação,isto foi o que me foi dado a conhecer ao longo de decadas por esses tais velhadas que são poços de sabedoria vinícola .
Penso que é neste contexto que são designados os VINHOS na generalidade.
Cumps
São descritivos válidos para aplicar a vinhos… mas dizem respeito a taxonomias diferentes, ou seja, não descrevem a mesma coisa.
Além de que os “bons” vinhos verdes não são mais verdes (ou menos maduros) do que um bom vinho branco do douro ou dão. Essas distinções já não fazem sentido.
O que lhe estou a dizer, e se quiser não acreditar tudo bem, é que estruturalmente podemos falar em 5 tipos de vinho: tinto, branco, rosé, espumante e fortificado (com mais ou menos variações); e que nesta classificação não faz sentido falar de coisas como “verde”, ou “maduro”.
Dizer “este vinho não é branco, é verde”, é a mesma coisa que dizer “este vinho não é tinto, é borgonhês”. Não é correcto. Mas claro que pode dizer “este verde é óptimo”, ou “este bordalês tem uns taninos incríveis”, não há nada de errado com isso.
No meio da sua lista também se esqueceu de outra caracterização “cultural”, que é a dos generosos: Porto, Madeira, Moscatel e Carcavelos… Mas que não deixam de ser vinhos fortificados. Como o Xerez.
Este texto da Revista dos Vinhos explica bem a questão de hoje em dia a distinção verde / maduro já não se aplicar à questão dos Vinhos Verdes. Sendo que, de qualquer maneira, um vinho branco será sempre um vinho branco. Cumprimentos
Obrigado novamente pelo esclarecimento:
Mas ao escrever e copiei para aqui »»
Dizer “este vinho não é branco, é verde”, é a mesma coisa que dizer “este vinho não é tinto, é borgonhês”. Não é correcto. Mas claro que pode dizer “este verde é óptimo”, ou “este bordalês tem uns taninos incríveis”, não há nada de errado com isso.
Concordo consigo ,Mas quando se dirige a um restaurante ou uma casa de vinhos ao Pedir um Verde tem que dizer se quer Branco ou Tinto ou Rosé !!tem que especificar o que quer ,tanto que são completamente diferentes um do outro em termos de Palato ,alias os Brancos são para pratos de marisco ou Peixe e os Tintos para Carnes e queijos,o que muita gente desconhece ,acho que se deve dizer “este vinho Verde Branco é bom (( porque o esta beber não precisa de referir o termo Branco)) ou este vinho Verde Tinto é optimo ((porque o está a beber não precisa de referir o termo Tinto também)),porque na sua frase »»» Este vinho não é branco é verde está errado»»» Claro ,porque o Verde tanto pode ser” Branco” de uvas brancas ou “Tinto” de Uvas Tintas ou Rosé de uvas rosadas,……eu diria, neste caso se estivesse a beber um Quinta da Aveleda Verde Branco,e um Gazela eu diria »»estes Verdes são optimos,mas prefiro o da Quinta da Aveleda
Claro que concordo consigo nesta frase :((((Mas claro que pode dizer “este verde é óptimo”, ou “este bordalês tem uns taninos incríveis”, não há nada de errado com isso))),
Quantos aos Generosos Tais como o Porto que também teem a designação de»»» Vinho Fino,Vinho Tratado,vinho generoso,ou vinho do Porto ,quatro nomes para simbolizar um unico vinho em todo o mundo.
Acho que no Geral estamos de acordo ,como sou do Norte e só por opcão de prazer bebo Verdes Brancos com pratos de Peixe e prefiro Verdes Tintos quando como pratos de carne,claro que muita gente se queixa dos verdes serem acidos mas actualmentes os verdes evoluiram para vinhos com muito menos acidez e pode -se beber bastante, mais uma vantagem em relação aos Maduros ,pode-se beber muito fresco.
Não o maço mais e uma boa noite
Cumps
J.Branco