Quando se é novo, fazer anos é espectacular. Cada aniversário é uma conquista, com promessas de emancipação, festas cada vez mais rijas e, passando ali a fase inicial da adolescência, um aspecto físico aceitável (nalguns casos). E é assim até o dia em que uma pessoa começa a sentir que está a envelhecer.
É óbvio que estamos sempre a envelhecer, mas há um dia em que realizamos que estamos mesmo é a ficar velhos. O dia em que fazer anos passa a ser só uma desculpa para beber até cair para o lado e esquecer que nunca mais vamos ter três meses de férias.
Não me lembro com exactidão do dia em que senti que estava a envelhecer, mas sei que foi nos finais dos vintes. Pode ter sido quando tive a minha primeira ressaca existencial, ou quando me senti um velho pervertido no meio de hordas de spring breakers americanos no México (talvez estas duas tenham coincidido). Mas desconfio que tenha sido quando disse a um primo mais novo “estás tão crescido!”. Nesse dia senti que dentro de mim alguma coisa morria para sempre.
É que, num momento somos aqueles putos estúpidos que saem à noite quatro dias por semana, e, aos sábados, quando as pessoas que trabalham para viver também acham que têm direito a sair à noite, olhamos com desdém e dizemos “isto hoje está cheio de velhos”. Noutro momento, temos 34 anos e somos esses velhos, ainda que achemos que a nossa camisa de flanela nos dá um ar novo e moderno (não dá).
“Mas tu tens 34 anos, tu não és velho!”
Se tu, leitor, acabaste de pensar isto, é porque ainda és mais velho do que eu, portanto a tua opinião de velho não é válida. E se estás a pensar que é estranho eu tratar-te por tu, porque nem nos conhecemos de lado nenhum, já não há muita coisa a fazer por ti, velhadas. Ainda que nos continuemos a sentir desconfortáveis quando entramos numa sala cheia de desconhecidos, ou alguém diz que queremos mais bolo de anos mas temos vergonha de pedir; para os mais novos já somos velhos.
Eu sei que estou a ficar velho. Independentemente de ter filhos ou não. E estes são os 5 sinais mais evidentes da minha velhice:
#1 – O meu corpo é um templo e está prestes a ruir
Foi há uns 7 ou 8 anos. Era um final de tarde de Domingo. Devia ter acordado há poucas horas, e estava a preparar-me para sair de casa. Acabei de tomar banho e fui à sala ligar a aparelhagem. Baixei-me para apanhar o comando. Deve ter sido silencioso, mas invoco a mesma liberdade poética que os filmes de batalhas espaciais para vos garantir que, no momento em que me dobrei, ouvi um barulho do género *craaaaaaqqqrrrrrr*.
Caí de joelhos no chão, quase como Jesus perante o Dragão. Depois fiz o que qualquer homem nu, cheio de dores, sozinho em casa e ajoelhado em frente à sua aparelhagem faz: ri-me. Esperei que a dor passasse. Passado dez minutos continuava ajoelhado no chão da sala, mas já não me ria e as dores estavam cada vez piores. Depois fiz o que qualquer homem português faz quando tem dores: liguei à minha mãe.
Já no hospital, descobri que dores nas costas, ou lombalgias, são uma maleita tão comum que ninguém liga muito em sequer saber a exacta causa do problema. Há uma data de coisas que fazemos regularmente que fazem mal às costas, desde correr a sentarmo-nos no sofá, e ainda mais tipos específicos de diagnóstico. Portanto se a pessoa já tem perto de 30 anos e não é atleta de alta competição, ninguém liga nenhuma. Em linguagem médica: “não vale a pena fazer nada, também não é como se fossem uma costas novas”. É Relmus para a veia, e pode ir para casa. Uma semana com a sensação de que lhe estão a cravar um punhal nas costas sempre que se levanta? Azar.
Isto foi apenas o início daquela sensação de que não estamos mais novos, que temos de ter cuidado com o que comemos, que é melhor lavar as mãos de vez em quando, que ficar doente não é um passe para uma semana de jogos de computador e livros de banda desenhada. Que temos de deixar de fumar. É como quando expira a garantia do nosso carro. Continuamos a gostar muito dele, mas é nesse momento que passamos a guiar um chaço.
#2 – É melhor deixar de dançar
Se houvesse uma licença para dançar em público, ela seria revogada por volta dos trinta. Claro que algumas pessoas nunca deveriam ter tido sequer a licença, mas o mundo não é um lugar justo e a licença para dançar só existe na minha cabeça.
Mas é verdade, a partir de certa altura os seres humanos deviam ser proibidos de dançar em espaços públicos, sobretudo quando há pessoas mais novas presentes. Não é que eu não goste de dançar, sempre gostei (embora ninguém deve dizer que vai sair à noite porque gosta de dançar), mas já começo a sentir aquele ligeiro atrofio dos movimentos do corpo quando me tento locomover ao ritmo de uma canção.
Não sei se é um problema de imagem, psicologia ou fisionomia, mas quando vemos uma pessoa mais velha a dançar parece que ela padece sempre de alguma condição ambivalente, alternando entre movimentos emperrados e ataques de espasmos. Eu próprio já sinto aquela vontade de, mantendo o antebraço sempre junto ao tronco, levantar os punhos e balançar para os lados. Seja o que for, não é bonito, e só tem tendência para piorar.
Reparem neste vídeo. Este vídeo não é sobre um grupo de homens de ar castiço que resolve fazer um piquenique e começar a dançar uma fraterna martelada. Este vídeo é sobre a necessidade destes homens velhos se afastarem da civilização para poderem dançar à vontade. Portanto, já sabem: se quiserem dançar – vão para o meio do campo.
#3 – Deixei de aguentar a bebida
Esta, para mim, é das mais recentes, e das mais tristes. Não sei se foi de ter perdido uns quilos no último ano. Ou de andar sempre em défice de sono. Ou se é mesmo da idade. Mas já não aguento os copos como antes. Por exemplo, na minha escala antiga não era fácil chegar ao blackout. Implicava algumas misturas, shots, beijar uns camafeus, e, mesmo assim, não era garantido. Hoje em dia bastam uns copos de vinho e um sofá. Posso facilmente ir do alegre ao blackout em apenas 3 copos.
Dou por mim a ter de fazer escolhas, como: quero mesmo beber este copo de vinho ao jantar, ou prefiro tentar ver um filme esta noite? Porque as duas coisas são quase incompatíveis. Nestes dias que estive fora, numa das noites bebi quatro copos de vinho ao jantar, e não me lembro do caminho de volta para o hotel. Quatro copos! Um marmanjo com um metro e noventa. É um pouco assustador. E incrivelmente enfadonho.
#4 – Há coisas que me começam a fazer confusão
Por mais progressista e liberal (no sentido dos costumes) que eu possa pensar que seja, cada vez mais me parece inevitável admitir que haverá sempre um fosso geracional entre mim e os meus filhos. Além da distância natural de sermos pai e filho, e não melhores amigos, é claro. Claro que uma das áreas onde isso é mais patente é na questão da sexualidade. Às vezez passo por uma ou outra série de adolescentes, e aquilo parece o Girls and Boys dos Blur. É todos com todos, ou será que se diz antes t@d@s2,não sei, nunca fui muito bom a matemática.
Faz-me confusão, mas não acho mal. Pelo contrário. É que, como membro de uma geração que apanhou a ressaca dos anos 60 e 70, e cresceu numa altura (anos 80 e 90) onde resolveu tudo apanhar SIDA, tornar-se toxicodependente e passar a vida a obrigar-me a ler panfletos e filmes sobre isso; é interessante ver agora os miúdos a regressar a um paradigma de experimentação sexual, numa sociedade mais tolerante com drogas e comportamentos alternativos.
No fundo o que eu quero dizer é que tenho um rancor enorme ao facto de TODA A GENTE SE ANDAR A DIVERTIR À GRANDE MENOS NÓS. OBRIGADINHO, ANOS 80.
#5 – Não se deve subestimar a rebarbadice
Podem ouvir isto? É rápido (e tem piada).
Resumindo: a Mariana Alvim do Café da Manhã da RFM foi entrevistar aquele senhor que passa os dias à frente da Procuradoria-Geral da República. Aparentemente o homem (e a mulher, que também lá está) reclama que foi vítima de uma burla, e quer provar que o deram como morto mas que afinal não está morto, enquanto que a PGR diz que ele nunca esteve morto portanto não tem de provar que não está morto. Acho que é isto, parece um argumento complicado de filme de ficção científica com viagens no tempo.
Acontece que o Sr. Florindo, afinal, é um velho rebarbado que parece mais interessado em dizer à Mariana Alvim o que gostava de fazer com ela e com todas as mulheres que vê passar durante o dia.
O Sr. Florindo caracteriza bem o estado avançado da evolução da rebarbadice no homem: o momento em que se começa completamente o filtro. É um filtro, porque a rebarbadice está lá sempre. Falamos de homens. Nada do que ele diz é particularmente chocante – no contexto da cabeça suja de um homem. Só se torna despropositado quando ele o partilha connosco e, sobretudo, com uma mulher uns 30 anos mais nova do que ele. A reacção de uma mulher àqueles “aiiichâzus” e “huummms” é a normal – “que velho nojento”. Mas um homem, que não deixa de achar isto cómico, não vê nada de errado com a linha de raciocínio floridiana.
É que nós sabemos bem o que quer dizer aquele “aiiiii”. Nós ouvimo-lo dentro das nossas cabeças primitivas. E sabemos que é diferente de um “ooohh” ou de um “eeeei”, porque também falamos rebarbadês.
Eu (ainda) não sou o Sr. Florindo, mas o que quero dizer é que percebo de onde vem aquela rebarbadice que o homem sente quando olha para mulheres mais novas. É que já a sinto a formar-se num lugar recôndito do meu cérebro, a querer crescer, a obrigar-me a olhar para calções de ganga curtos e começar a arfar nos meus pensamentos. Mas, felizmente, ainda há outro lugar da minha cabeça que acha que a imagem de um velho a perseguir uma mulher muito mais nova é ridícula, ou mesmo ofensiva esteticamente. Espero que esse lado continue a resistir. E também posso sempre contar com a minha mulher para me dizer que sou ridículo. Ela é óptima nisso.
Tenho de dizer que…a tipa da Sábado parece a Judite de Sousa.
tem qualquer coisa, realmente.
Não estou a aguentar de tanto rir! Estou grávida de 39 semanas e por pouco não tive a criança…
Bom, até me sentiria mal, mas 39 semanas já seria boa altura. 😀
és o máximo, André!!!!
ei, obrigado 🙂
Demais, tou rindo muito!!! 😉
obrigado 🙂
Classe, meu caro, este post é toda uma classe.
Já eu continuo a lutar para descobrir uma espécie de creme anti-aging mental e físico que me permita combater todas essas maleitas e mais algumas.
O facto de conceber a ideia de um creme anti-aging mental e físico faz-me pensar que ainda há alguma esperança para mim de envelhecer com alguma dignidade, mas não perder oportunidades de parecer estupidamente jovem (nem que seja numa perspectiva Sensible Soccer, a milhares de kms de distância, visto de cima – e agora falei em Sensible Soccer e já envelheci mais dois anos).
Se esse creme inclui doses de hip-hop de qualidade, masterclasses do John Cleese e celebrar o espírito do Sensible Soccer, acho que estamos no bom caminho. Também sou adepto do parecer estupidamente jovem.
:)))
Gostei do ponto 3 por ser incrivelmente verdadeiro…assim se deixam muitos bons filmes a meio!
Bom fds
Mas eu tenho 34, estou velha!
Comecei a sentir isso aos 30, claramente, a falta de resistência e as maleitas, no fundo o ponto 3, mas com apenas “deixei de aguentar”. O meu marido tem tido umas doses do ponto 1, lombalgias de ir parar ao hospital nas futeboladas (sim, ele insiste). Aos 36 vai ficar feliz ao saber que um moço de 34 também as tem. Haja solidariedade.
1º desafio na leitura deste post: começar a lê-lo depois de conseguir parar de rir ao ver a expressão do bebé no 1º gift.
2º desafio: continuar a lê-lo depois de conseguir parar de rir ao ler a descrição da sua (eu sou mais nova, tenho 33, o Sr. André é, portanto, um velhadas) lombalgia.
3º desafio: conseguir terminar a leitura do post depois de conseguir parar de rir após a descrição de como o pessoal mais novo vê o pessoal mais velho quando dança, lembrar-me como eu própria ficava em estado de choque quando me deparava com essas aves raras e pensar que se fosse agora à discoteca (que não vou) seria eu a fazer essa figura (embora sem consciência disso)…
Muito, muito bom!
Obrigado. 😀 E até acho que já tenho material para fazer uma segunda parte, mas vou esperar mais um bocado.
Este Blog é simplesmente fantástico, parabéns…
Tenho 18 anos e acho uma tristeza ouvir coitados dizer que já estão velhos aos vinte e tais anos. Quando este tipo tiver 50 anos deve ter espírito de 250 anos! ! Coitado !
Rapazinho, és engraçado
Toda a tua conversa me parece relacionada com o espaço, com ETs e com o outro mundo.
Tu és um puto. O que é que sabes disso de ser velho?
Tiveste uma dorzinha, não aguentas os copos e não sabes dançar. Ora, ora…
Eu tenho 71 anos, aguento bem os copos e nap danco parquet nao gosto.
O problema nao esta ai
O problema está em olhar para a frente e já não ver caminho. O problema está no beco sem saída. Já não haver nada para ca frente. Isso é que é estar velho
Este blog deveria ser proibido, é sem dúvida um incentivo a velhice e ao fracasso, não somos todos iguais, agora fico feliz de o saber!
Viva a Madonna!
eu gostava de proibir pessoas sem sentido de humor.
Nossa, tenho trinta anos e tudo isso é verdade. Costumo dizer que passar dos vinte e nove para os trinta é o começo do fim. Quero voltar a ter vida noturna, sair com os amigos, mas só tenho vontade de dormir. Eu me sinto cansado e esgotado. O cansaço é tanto que eu sinto cansaço por sentir cansaço. É uma tragédia só…