Os benefícios da amamentação, Ban Ki-moon, e as talibãs do peito

Aqui há uns posts, na secção dos comentários, cometi a imprudência de referir que talvez escrevesse um post sobre amamentação.  E a verdade é que, mais do que uma vez, já tenho sido inquirido, com aparente descontração, pelo andamento desse tal post. Claro que a pergunta tem sempre um subtexto, que é “vê lá o que vais dizer, homem“.

Está certo que um homem tem tanta legitimidade para falar sobre amamentação como uma mulher de dissertar sobre próstatas. Mas, como eu próprio não sei bem o que é uma próstata – só como lá se chega, portanto não tenho pressa de descobrir -, acho que vou arriscar. É verdade que, por esta altura, a maior parte dos homens já ouviu a palavra amamentação mais vezes do que se seria desejável (que é aí umas duas vezes, no espaço de 50 anos). E isso também nos devia dar direito a formar uma opinião. Mas também é verdade que a amamentação é um tema muito sensível. Em vários sentidos, oh, oh. Ah, ah.

Desculpem.
Desculpem.

Dizia, a amamentação é um tema muito sensível. Não sei se já ouviram falar nas Mommy Wars. As Mommy Wars são uma espécie de Guerra dos Cem Anos da Internet, porque são intermináveis e ninguém sabe exactamente como começaram, ee que consistem em grupos de mulheres a insultarem-se mutuamente para ver quem é a pior mãe. Neste exacto momento, num qualquer fórum de internet, há uma mãe a chamar vaca ignorante a outra, porque ela só amamentou cinco meses em vez de seis.

Dito isto, em relação a este tema, tenho de confessar que o meu instinto natural seria postar isto:

isto
(fonte: internets)

E fugir.

Punha um título engraçadinho, do género: “sobre a amamentação só tenho a dizer isto”. Ríamos todos um bocadinho, cada um imaginava o que queria imaginar que eu estava a querer dizer, e eu voltava a escrever aqueles posts sobre brinquedos e super-heróis que vocês odeiam, e corria tudo bem.

Mas isso seria o caminho fácil. Vamos lá falar sobre amamentação. Vamos falar sobre amamentação, e sobre as diferentes abordagens de algumas mães lidarem com a amamentação. E achei que podia ter graça ilustrar com estereótipos religiosos.

Certo?
Certo?

Vamos começar. Eu preferia não falar muito sobre o o processo de amamentação em si, mas para começar temos de estabelecer uns factos. A pediatria tem várias maneiras de abordar a questão, mas vamos assumir as recomendações da Organização Mundial de Saúde das Nações Unidas, partilhadas pela maioria das associações pediátricas, como uma base comum para o que é o melhor para o bebé.

E quem melhor para ajudar a falar sobre leite e maminhas do que Ban Ki-moon, Secretário-Geral das Nações Unidas e Breastfeeder Champion Extraordinaire? Passo a palavra às:

Recomendações da Organização Mundial Sobre a Amamentação, por Ban Ki-Moon:

ban-ki-moon

Pronto. Isto é o ideal. É o melhor para o bebé. É o que diz a ONU. Ninguém pode discordar da ONU. A ONU foi criada para evitar guerras mundiais e promover a amamentação. Facto.

Mas o mundo não é um lugar ideal. Nem a ONU tem conseguido prevenir conflitos, genocídios, atropelos aos direitos humanos. O mundo é um sítio com constrangimentos, exigências, fisiologias, horários e compromissos muito próprios. E alguns destes factores, às vezes todos, por vezes entram em conflito com o óptimo. Como em tudo na vida. Ninguém faz constantemente o melhor em tudo o que faz. O importante é tentar.

E a partir do momento em que a nossa sociedade deixa qualquer pessoa ter filhos, mesmo pessoas que votaram Cavaco, ninguém tem o direito de andar a policiar as escolhas de saúde dos outros. Sobretudo porque a parentalidade pode ser um ecossistema de equilíbrio muito frágil que deve ser preservado a qualquer custo. A melhor coisa a fazer pelo Mexicano seria amamentá-lo até aos dois anos? Sim, para ele. E para nós? Para os três como família? Para os dois como casal? Zeus me ajude se vou permitir que passe mais um ano sem poder abrir aquele Mouchão de 74 com a minha mulher.  Claro que isto não é sobre um Mouchão de 74. O Mouchão de 74 é uma parábola. Embora a parábola exista, e espera-se que ainda não se tenha tornado vinagre. Mas a vida é assim, feita de pequenos equilíbrios.

E desiquilíbrios.
E desiquilíbrios.

Não acho necessariamente que a amamentação seja uma questão de fé, ou de religião. Mas muitas vezes parece ser algo em que se acredita, ou não. Neste sentido podemos pensar na atitude das mulheres em relação a amamentação em termos religiosos. E é assim que temos:

5 atitudes das mulheres relacionadas com a amamentação:

A Ateia

A ateia não acredita na amamentação. Não é bem ser contra, mas não morre mesmo de amor pela ideia. Mesmo antes de ser mãe a ateia já sabe que não vai dar de mamar. Para a ateia, a ideia de um ser vivo em miniatura a sugar-lhe pacotes mimosa do peito, tem mais a ver com aqueles filmes estranhos que ganham o prémio do público no Fantasporto, do que com maravilhas da maternidade.

Também há um subgénero das ateias, mais extremo, que são as Ateias Militantes. As ateias militantes, por insegurança, ignorância ou porque podem beber mais que as outras – talvez uma mistura das três – sentem a necessidade de atacar qualquer pessoa que defenda algo tão simples (e verdadeiro) como a amamentação fazer bem. Apontam o dedo e gritam “ai que nojo olha aquela pedófila a dar de mamar a um homem com sete meses, é louca!”, para constrangimento de pessoas minimamente inteligentes. Isto para não falar do facto de serem são pessoas que odeiam o Ban Ki-moon. Esse homem tão simpático, como é que é possível?

A Agnóstica

A agnóstica tentou dar de mamar. Tentou mesmo. Fez um esforço. Acreditou que a dor talvez fosse passar. Que mamilos em ferida e dores lancinantes faziam parte da experiência. Mas, juntando a isso alguns dias em tortura de privação do sono, ou o facto de se sentir derreada, a agnóstica escolhe não dar de mamar. E, no fundo, só acabou de colocar uma vida na Terra, o que já conta para alguma coisa.

fdsfds

A Não-Praticante / a Boa Católica

A Não-Praticante e a Boa Católica acreditam na amamentação. São algo semelhantes, e, em festas, difíceis de distinguir. A não-praticante  aborda a coisa de maneira mais prática. Sabe que dar de mamar é importante, faz o que tem a fazer, às horas que tem de fazer, cumpre os mínimos garantidos, fecha a torneira e vai à sua vida. A Boa Católica é semelhante à não-praticante, embora mais zelosa e esforçada. Normalmente  amamenta durante mais tempo.

A Evangélica

A Evangélica, na prática, é semelhante à Boa Católica, mas com a diferença substancial de achar que deve converter todas as mulheres às maravilhas da amamentação. Aliás, assim que começam a ouvir alguém dizer que a amamentação “é algo maravilhoso”, têm aí a vossa deixa sair rapidamente de cena, porque vem aí sermão.

A Talibã

A Talibã é o caso extremo do fundamentalismo amamentista. É a profeta do apocalipse da fórmula para crianças. É aquela que caiu no caldeirão das mamas mágicas em pequena. É que, além de querer converter toda a gente, também faz questão de as julgar. É no julgamento dos outros que a Talibã encontra todo o seu fundamentalismo. A Talibã não se contenta em partilhar o seu ponto de vista de que qualquer mulher que não amamente os filhos é uma criminosa, ou que as grandes corporações de comida para bebé nos encheram a cabeça de mentiras nos últimos anos.

O auge do êxtase talibanista é saber que uma criança não-amamentada, pelos seus padrões maníacos, adoeceu ou teve algum problema. Afinal, não é todos os dias que se pode reivindicar ter razão e fazer alguém sentir-se culpado. (a Pólo Norte que o diga). E se puder fazer isto com um marmanjo de quatro anos colado ao peito, num espaço público – ainda melhor.

E só há uma maneira possível de lidar com talibãs:

Desde sempre, a melhor maneira de lidar com talibãs.
Desde 1985.

Há pessoas que em vez de seis meses amamentam quatro. Há pessoas que não amamentam sequer. Há pessoas que amamentam até aos quatro anos. E há escritores que têm fetiches com leite de mamas e sopa de peixe (true story). E sabem qual é a maior lição no meio disto tudo? É que ninguém, sem ser a mãe, o pai, o pediatra deles, em eventualmente, as autoridades, tem nada a ver com isso. Há uma corrente filosófica inglesa que até tem um termo para isto, chama-se Shut the Fuck Up.

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23 Comments

  1. Fui uma boa católica nos primeiros 4 meses em exclusivo, no 5º em processo de transição, pelo simples facto de que não era prático andar com a bomba de leite atrás no trabalho.
    Sabem aqueles colegas que fazem aquela cara quando vão cagar? Imaginem o que é toda a gente a saber que tava na hora da Mimosa com a bombinha nada discreta atrás. Até queria continuar a ser uma boa católica, mas o pragmatismo estava a dar cabo de mim.
    Em vez de refeições, começou a ter snacks, para não ficar com o turkey da falta de mama, e tudo correu bem. Em menos de nada já marchavam as sopas, as papas e as frutas passadas e sempre foi saudável – graçádeuz.
    Quanto a fundamentalismos, dispenso. Se não admito que me venham de dedo apontado para dizer como hei-de ou não fazer as coisas, também não o faço. Amamentei porque achei ser o melhor para o meu filho, o mais completo, o que lhe daria mais defesas e nesse pressuposto acho que correu tudo bastante bem.

  2. Lá por causa o pequenote foi amamentado enquanto isso foi o melhor para o nosso pequeno ecossistema. Quando começou a causar distúrbios, mandamos a amamentação às urtigas e continuamos com o biberão de suplemento. Ele está óptimo, foi um alívio e passamos a andar os 3 muito melhor.
    Se gostávamos que o pequenote ficasse em exclusivo a leite materno? Claro que sim, mas isso simplesmente não foi possível. Aguentámos 1 mês e meio e não é por isso que ele está mal.

  3. AHAHAHAHAHAHAH
    “eu amamentei 4 meses e 3 semanas e depois comecei a vê-lo fraquinho e a dar suplemento, depois ele não queria outra coisa, comecei só a dar de mamar à noite, para dormir com as defesas em cima. tinha para mim que o melhor para ele era o meu leite, mas não dava cavaco à minha sogra e à minha prima que queriam que insistisse em ser exclusivo, afinal do meu filho sei eu e só eu (e vá lá, o zé, meu marido, mas esse nunca vê nada) é que sei se ele estava fraquinho ou não.”
    AHAHAHAHAHAHAH

    quer queiras quer não, este post vai tornar-se um “breastfeeding chick magnet”. isto vai ser um desenrolar de eu fiz isto e fiz aquilo. espectacular.
    Se há coisa que a mulherada (no bom sentido) gosta é de contar a sua experiência de dar de mamar, funciona como uma auto-palmadinha nas costas, um “descansa que fizeste bem, podias ter feito melhor, mas com o teu contexto e circunstâncias específicas muito fizeste tu”.

    (quase) fora de brincadeira, a decisão de dar ou não de mamar, por quanto tempo e exclusivamente ou não, acaba por (ou devia sempre) ser resolvida como bem referes, dentro da dinâmica e equilibiro do agregado – cães incluídos. quando só se coloca um interesse em jogo o mais certo é ficar sempre um leve arrependimento (por mais palmadinhas nas costas que depois tentemos dar).
    atenção, nem sempre a decisão que elege apenas um interesse resulta de apenas ter sido considerado esse interesse na equação, pode ser apenas o resultado. uma decisão dira equilibrada para aquela malta.
    por exemplo, pensou-se nos jantares a dois com um copo de vinho, na intimidade, nas horas de sono, na necessidade de criar laços de alimentação com o pai, etc mas decidiu-se que o melhor era o petiz continuar na exclusividade até aos 4 anos e meio… azaruxo, não há cá fim-de-semana romântico para ninguém!
    Enfim, o que me parece é que há muita mãe por aí a querer palmadinhas nas costas, não só pela incerteza de ter tomado a decisão certa, mas às vezes resulta de queremos que os nossos filhos sejam sempre os melhores e os exemplos a seguir lá no bairro, se possível até a nivel nacional, por isso é começar logo por aí, mas há tanta coisa mais. são pérolas atrás de pérolas. continua a explorá-las pá que eu prometo que continuo a passar por aqui.
    top!

    abraços

    p.s. – sem ofensa, sei bem que é um tema importante e sério, mas eu sou dos maridos suiços, neutro até morrer embora sempre muito preocupado, tanto activa como passivamente, conforme o vento.

    • Ehehhe, também antecipei isso. Acho que, no fundo, somos todos susceptíveis a essas inseguranças, que são bem exploradas pelos extremistas. Mas estou um bocado como tu, posso ter algumas opiniões, mas no palco político é neutralidade e speak when spoken to.

  4. Eu cá só acho o seguinte. Há muita talibã por aí, que há. Mesmo. Mas também há um outro género, que não cabe em nenhum destes, ou talvez seja um subgénero da Agnóstica. Eu até me atrevia a dar uma nomenclatura baseada nos esterótipos religiosos em que pegaste, mas depois tinha problemas de certeza, que isto já deu guerras e tudo aqui há uns anos. Mas, no fundo, é uma agnóstica por tipologia de comportamento, que não sabe bem como enquadrar a escolha que fez de terminar a amamentação (e que só a ela diz respeito), mas que sucumbe à teoria da conspiração, e socialmente/nas redes sociais/ em geral acaba por ser sempre defensiva. Justifica sempre com diversos argumentos o fim da amamentação, mas nunca com a escolha (onde, normalmente, tudo redunda). E abraça a técnica do “a melhor defesa é o ataque”, e mesmo quando não tem talibãs à volta, manda uns bitaites à laia de drone, invocando a tal presença de talibãs que a estão a discriminar e a catalogar de má mãe. Mesmo que sejam apenas as pessoas a terem uma conversa normal e a exporem uma perspectiva qualquer.

    Isto digo eu que – juro – sou uma Boa Católica (cá palmadinha nas costas, António). Odeio fundamentalismos, seja de que lado for.

    • Tens razão. Ambos os extremos são dados a fundamentalismos. O fundamentalismo do outro lado por acaso passou-me um bocado ao lado, mas pensando um pouco mais nisso, claro que ele existe. Fiquei a pensar foi nessa da nomenclatura. -_-

      • A tua nomenclatura é muito boa 🙂 A minha era mazinha, em qualquer dos sentidos do termo. (pensei em fundamentalismo, mania da perseguição, religião com mania de perseguição, tal e coiso. não era lá grande espingarda, a analogia, mas foi o que me veio à ideia.)

  5. Eu era não praticante, fui evangelizada e passei a boa católica no curso de preparação para o parto e quase dei em louca quando fiquei com menos leite. E essa dose de loucura é que é mesmo má para toda a gente, não a falta de anticorpos. Sem entrar em pormenores para ali o António não ficar nervoso, lolol, deitei fora os catecismos e os sentimentos de culpa e correu tudo bem. Excepto na parte dos comentários e opiniões. Já só me apetecia meter o pessoal num saco e atirá-los ao rio.
    Mais saudável é impossível. Espero que uma talibã não me rogue uma praga agora.
    Como diria uma ateia que conheço “olha para elas [filhas], nota-se alguma coisa?”

    Muito, muito bom post. Uma Dora, do Locais Habituais, no masculino:
    http://locaishabituais.blogspot.pt/2012/05/deixai-as-nossas-mamas-e-as-nossas.html

  6. ADOREI!!
    Há de facto quem critique muito quem, seja porque razão for, não amamente o seu bebé… mas o contrário também acontece o oposto. E amamentei ano e meio e ouvi tantas vezes “credo tão grande ainda a mamar”, “deixa-te disso que ela já é grande” ou “agora isso já não é preciso,”. Por isso concordo especialmente com o final do post: “Há pessoas que em vez de seis meses amamentam quatro. Há pessoas que não amamentam sequer. Há pessoas que amamentam até aos quatro anos. E há escritores que têm fetiches com leite de mamas e sopa de peixe (true story). E sabem qual é a maior lição no meio disto tudo? É que ninguém, sem ser a mãe, o pai, o pediatra deles, em eventualmente, as autoridades, tem nada a ver com isso. Há uma corrente filosófica inglesa que até tem um termo para isto, chama-se Shut the Fuck Up.”

  7. ah pois é.
    Eu sou daqueles que tem leite matinal, e sim há quem tenha leite magro e não é mania, uma criança que em quase 3 semanas ganhou 25g não me parece que esteja muito bem alimentada. Do 2º nem esperámos ao fim de 1 semana já cá cantava a latinha de leite em casa
    ahhhh o descanço!!!

  8. Sou gajo, não tenho filhos e li um post do tamanho do titanic sobre amamentação sem intenções subversivas. Começo a ficar preocupado…

    • Imagina eu que escrevi o post. É que se há pessoas a ler este post e a achar que isto é sobre amamentação, sem intenções subversivas, eu é que começo a ficar preocupado.

1 Trackback / Pingback

  1. Com ou sem maminhas, eu (não) sou das boazinhas |

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