É normal que as pessoas mudem ao longo dos anos. Até saudável. Claro que seria bonito imaginar um mundo em que o MacGyver não se tornasse num gordão incapaz de arranjar sequer o próprio carro, mas não há que lutar contra a marcha inexorável da vida.
Um dos acontecimentos que mais parece alterar as pessoas é o nascimento do primeiro filho. O momento em que se tornam pais (ou mães). Este momento é especialmente sentido pelos amigos e pessoas mais próximas dos pais, que reagem de duas maneiras: se já têm filhos têm aquela reacção mista de felicidade e condescendência, acompanhado de umas palmadinhas nas costas de “bem-vindo ao clube”; se não têm fica apenas aquele esgar meio horrorizado e um tímido “parabéns, acho…”. Claro que há excepções. Algumas pessoas não chegam sequer a mudar. São aquelas pessoas que parece que nasceram e viveram toda a vida com o único propósito de serem mães (ou pais). Vocês sabem quem são estas pessoas. Aos 20 anos comportam-se como se tivessem 50, e aos 30 (se continuarem solteiras e sem filhos) comportam-se como psicopatas.
Calhou não ter sido das primeiras pessoas a ter filhos no meu grupo de amigos. Isto permitiu-me observar e passar pelo fenómeno de ver pessoas a mudar quando se tornam pais. Eventualmente, o meu ar horrorizado em relação à parentalização dos meus amigos foi substituído pelo meu ar horrorizado em relação à minha própria parentalização.
Não sei o que muda primeiro, se são as pessoas que têm filhos ou a maneira como os outros olham para elas (nós). Mas estes são alguns dos primeiros passos deste processo de parentalização:
#1 – Ficar obcecado em mostrar aos outros as fotografias do bebé
Devido ao facto do bebé recém-nascido ser extremamente incompetente, em termos de interacção os pais recentes não têm muito mais que fazer do que passar o dia a olhar para a cara dele (e rezar que ele não comece a berrar). Isto causa uma espécie de Síndrome de Estocolmo – aquele fenómeno em que nos sentímos atraídos pelo nosso raptor, sobretudo se ele se chamar Nils. A verdade é que estamos constantemente a olhar para todos os pormenores da cara, até ao ponto que passamos a considerá-lo uma rara maravilha da humanidade que, dada a profusão de câmaras que temos hoje, passamos a fotografar constantemente.
Isto resulta numa compulsão patológica de partilhar fotografias e vídeos com todas as pessoas com que nos cruzamos. Eu próprio já lutei muitas vezes contra essa compulsão. É como se o entusiamo que alguém sente por ter conseguido criar um ser humano – sem grande mérito pessoal, diga-se – tivesse de ser reconhecido pelas outras pessoas. “Repara que fiz um ser humano, eu que nem um quadro conseguia pregar! Tens de o ver! Outra vez!”.
Ainda por cima as outras pessoas que não vão ver mais do que um bebé indistinto de tantos outros: uma miniatura humana de cabeça grande e feições amarrotadas.
#2 – Todas as conversas passam a girar à volta de bebés
Das experiências mais traumatizantes que tive em casamentos foi, quando ainda era solteiro e descomprometido, ter ficado numa mesa rodeado por casais e pais recentes. Depois de hora e meia no senta-levanta-senta-e-que-calor-insuportável-é-este da Igreja, o meu eu de 27 anos (o segundo mais forte da minha história de vida) teve de passar um jantar inteiro a ouvir falar de bebés, férias com carrinhos e dentes a nascer. Claro que me tentei refugiar no bar aberto e em pensamento absurdos, que chegaram a resultar num texto chamado Regras de etiqueta para o homem moderno #5 – Casamentos, que falava sobre como se devia reagir na eventualidade de ficar sentado numa mesa com esse tipo de pessoas. Um excerto:
Faça um esforço para se tentar integrar e coloque perguntas pertinentes como: “acham que se um bebé consegue sair pela vagina de uma mulher, será que ele entra outra vez se empurrarmos com jeitinho?”
Hoje em dia eu próprio já caí nessa inevitabilidade. Comparar teorias, mentir sobre as noites perfeitas que os nossos bebés não dão, e esperar que a primeira pessoa admita que já deixou cair o filho ao chão. De qualquer maneira eu e a Ana fizemos um pacto de nunca falar de bebés sem que nos perguntem sobre o assunto. E se alguém pergunta, e notamos que há uma pessoa que não tem filhos que a fazer esgares (voluntários ou involuntários), mudamos logo o assunto da forma mais subtil que conseguimos.
É sempre uma estratégia segura. Até as mulheres se passam com a Heidi Klum. Toda a gente se passa com a Heidi Klum.
#3 – Andar com os filhos atrás
Já experimentaram ter uma conversa de mais de dois minutos com alguém que tem uma criança ao colo? É impossível. A probabilidade de acontecer alguma coisa – a criança bolsar, arrotar, gritar, chorar, falar em aramaico – é tão grande que qualquer tentativa de conversa vai ser constantemente interrompida.
Quando se combina coisas com pessoas que têm filhos, é importante perceber logo se a combinação vai incluir os filhos ou não. Por vezes não é claro, e uma tarde descansada numa esplanada a beber cervejas pode tornar-se numa tarde de choros, “nãos” e alguém que fica traumatizado para a vida por ter experimentado leite de biberão sem saber que era leite materno.
Avisem sempre antes, sobretudo pessoas que ainda não têm filhos. Até vem escrito na Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas, conforme lido por Eleanor Rooselvelt:
#4 – Estar sempre cansado
Andam por aí umas pessoas a dizer que os trintas são os novos vinte, o que não faz sentido nenhum. Aliás, sabem quem é que diz que os trinta são os novos vinte? Pista: ninguém com menos de trinta anos.
Já aqui referi a realização que aquela energia toda que nos permitia fazer directas, noitadas épicas e acampar em festivais de música (hardcore), era a maneira da natureza nos querer ajudar a ter filhos. A verdade é que ter filhos é cansativo. Há sempre coisas para fazer, para arrumar, para limpar, etc., quando se tem filhos. E quando acabam as coisas para fazer, existem outras coisas para fazer.
Uma das imagens mais traumatizantes que tenho é a cara de um amigo meu na primeira semana de ter sido pai pela segunda vez. Até já dei por mim a pensar “há imensa coisa que quero fazer antes de ter o segundo filho”. Tipo, acabar a tese e dormir seis horas por noite. Já não era mau.
#5 – Sair à noite é uma prova de resistência
A questão do cansaço leva-nos ao “sair à noite”. A primeira vez que fomos jantar fora a seguir ao nascimento do Mexicano, parecíamos dois adolescentes no primeiro encontro. Passei a semana inteira a pensar no que ia beber, no que ia comer, a antecipar as ostras, a entrada de vieiras, os makis de Caranguejo Real do Alaska e o prego do Sea Me, a estudar os copos de vinho que puxariam pela acidez, mineralidade ou tropicalidade de cada prato. Vestidos foram comprados. Marcámos baby-sitter. Combinámos encontrar-nos com amigos que também iam sair, e investigámos o que se ia passar nas poucas pistas de dança interessantes que existem em Lisboa.
O jantar correu bem. Quando acabámos, descemos até à zona do Cais-do-Sodré, entrámos num bar, bebi meia cerveja e percebi que não aguentava mais. Passavam aí uns 30 minutos da meia-noite. Não estava embriagado, estupefacientado ou indignado com os belos bigodes que os hipsters conseguem crescer, estava apenas cheio de comida e com aquela vontade de colapsar que as pessoas velhas devem sentir à meia-noite.
Não é que tenha deixado de me apetecer sair à noite. Sinto é que não consigo sair à noite. É quelidar com um bebé de ressaca (nós, não ele) é a maneira que a Natureza arranjou de nos dizer “vais ter um Domingo tão lixado que até vais querer que segunda-feira chegue mais rápido”.
#6 – Aceitar que a cutxi-cutxice passou a fazer parte da nossa vida
Às vezes gosto de acreditar que o à Paisana é mais um blog que tenta ter algum humor disfarçado de daddy blog do que um daddy blog que tenta ter algum humor. Mesmo que isto fosse verdade, e não apenas eu a a tentar compensar o facto de estar fora do que se está a passar, a verdade é que a simples referência a parentalidade, bebés, crianças, etc., cria logo uma barreira entre quem tem filhos e quem não tem. É como se as pessoas que não têm filhos ainda não tiverem desenvolvido os receptores necessários para permitir alguma dose de cutxi-cutxice (não arranjei melhor expressão) na sua vida. E muitas pessoas ainda não estão preparadas para cutxi-cutxice.
Eu cheguei a pensar que nunca falaria com aquela voz de eunuco retardado com um filho meu. É que sabem o que é mais rídiculo do que falar com um bebé dessa maneira? É falar com ele com uma voz normal. É impossível fazê-lo sem nos sentirmos a pior pessoa à face da Terra. Mas é preciso proteger quem ainda não está pronto para isto. Tenho amigos meus que teriam uma trombose se alguma vez fossem parar a um baby blog. É preciso proteger a saúde das pessoas que não têm filhos, expô-los o mínimo possível a cutxi-cutxices. E a leite materno, já agora.
ahahah. É verdade 🙂 Por acaso também me controlo muito bem na parte do “falar sobre bebés”. Não falo. A não ser que puxem o assunto. E mesmo que o façam mas eu perceba que há pessoas presentes que não têm filhos, respondo ao que me perguntaram e faço como vocês, mudo de assunto 🙂 Subtilmente, claro. É que lembro-me perfeitamente o quão irritante achava aquelas pessoas que só falavam nos filhos! Não há paciência!
Acho que falta mais alguns:
– Nunca conseguir sair à hora combinada de casa…
– Andar sempre carregado, dor nas costas, e o carro ainda mais entulhado que o habitual….
eheh, e acredito que há medida que eles crescerem (em tamanho e número) vão aparecer ainda mais.
Muito bom! Para mim esta é a melhor frase: “Aos 20 anos comportam-se como se tivessem 50, e aos 30 (se continuarem solteiras e sem filhos) comportam-se como psicopatas.”. Estou a ver exactamente quem é essa pessoa na minha vida…………..
Parabéns, adorei o post…
sugiro a leitura deste artigo: http://www.parentdish.co.uk/kids/10-things-you-swore-you-would-never-do-before-children/
é hilariante e acredita que vais rever-te na maioria dos pontos e pensar: SO BUSTED!!!! 😀
o meu preferido é o de chamar pai/mãe ao conjuge em público AHAHAHAH
Bem, ainda não tive de me confrontar com nenhuma dessas situações, mas já percebi que vou a caminho de uma grande choque.
Tudo tão verdade, especialmente para quem não tem filhos.
Há tempos fui tentar beber café com uma amiga, que juro que nunca conseguiu sentar-se mais de 30 segundos seguidos pq a miuda ou se punha a lamber o chão, ou começava a correr para a rua, ou fazia outra coisa qualquer completamente idiota. Desistimos passada aí meia hora e eu saí de lá cansada.
Quanto às fotos, há aquela coisa de eu dizer: então manda lá umas fotos do bebé (pensando em 3 ou 4) e mandarem-me umas 120. True story.
Perfeito! Sofro muito com isso… é muito chato só falarem de bebes!!! affff… Não aguento mais!
Muito, muito bom!
Tento controlar algumas destas compulsões e já estou melhor 😉
Eunuco retardado… kkk
Identifico-me com tudo e não senti muita diferença porque sempre imaginei-me em pai e acho que ainda tenho pedalada para isso!A segunda feira passa a servir para descansar do Fim de Semana….. é muito cansativo mas é uma compensação total e mesmo antes de ser pai quando saia à noite para discotecas achava deprimente! As discotecas para adultos ou entradotes tem sempre aquelas musicas que já eram foleiras nos anos 80 im walking on sunshisne huuuuuuuuuuuu e as mesmas caras pelo menos onde vivo e é levar com pessoas em cima ou olha-se para o lado para encontrar um sitio para respirar e já aparece uma quarentona esqueletica cheia de base e rugas a olhar do genero tás a olhar para mim mas eu não sou facil e o meu namorado está atrás… deprimente!
Ainda gosto ir um bar e beber uns copos ou festivais tipo optimus alive… claro que no dia seguinte acorda-se as sete ou não se acorda e temos de levar com o nosso clonezinho em cima mas ainda tenho 30 e poucos e vale sempre a pena! É Obvio que já nao dá para fazer um interrail ou voluntariado em Africa mas fica para outra encarnação ou faço quando for velhinho……… a unica coisa que me preocupa é que pensava que sendo pai ia-me passar aquelas ideias de experimentar novas coisas basicamente desportos hobbys como parapente ou aulas de windsurf ou tirar mais um curso seja de culinária ou de tiro ao alvo.. mas continuo na mesma… nisso acho que vou ser sempre assim até ao fim dos meus dias mas pelo menos nao vou sofrer de aborrecimento!
E tem outra coisa que eu curto nos putos…bebés pelo menos.. eles não falam de cancros, calorias, de falta de dinheiro…existem alturas que já nao se pode e apetece tirar-lhes as pilhas mas quando vezes apetece fazer o mesmo aos nossos amigos colegas mães sogros e por ai adiante e esses é mais complicado de dizer não façam barulhos direitinhos! Com isto despeço-me abraços
é mesmo. 🙂 um abraço!