A relevância dos Óscares – os filmes da última década

Quando era mais novo passei por uma fase em que queria ser realizador de cinema. Antes da realidade ter esmagado com crueldade (e alguma satisfação, sempre achei) esta minha fantasia, vi alguns filmes, li alguns livros, e passei tardes no King a debater-me com hermenêuticas e cadeiras desconfortáveis. Nunca fui muito esquisito com o que via, corri todos os títulos no meu videoclube que tivessem a palavra Ninja (e havia muitos, de todas as cores) e passei por alguns Kubricks, Kusturicas e Kurosawas.

Os Óscares eram parte desta relação. Aos 12 anos já ficava acordado para ver as cerimónias. Lembro-me bem das vitórias do Silêncio dos Inocentes (1991), Imperdoável (1992) e Lista de Schindler (1993). Se os Óscares premiavam, quer dizer que era bom, não?

Ok, podia ter começado a desconfiar.
Hmmm.

A seguir às vitórias do Forrest Gump (1994) e do Paciente Inglês (1996), o açambarcanço monumental do Titanic (1997) foi a gota de água. Não tenho nada contra filmes de grandes estúdios, pelo contrário, a grande maioria dos filmes que vejo (sobretudo hoje em dia), são de Hollywood. Mas deixei de conseguir perceber qualquer relevância cultural cinematográfica, ou até como evento televisivo, aos Óscares. Acabaram-se as directas.

Ainda assim, como espero que cá em casa se veja e discuta cinema, decidi olhar para os vencedores dos Óscares da década passada e perceber se os Óscares podem ser, ou não, um indicador relevante para recomendar filmes aos meus filhos.

Uma mente brilhante (2001)

O que se passa? O Russel Crowe faz de John Nash, um matemático tão brilhante como lunático, que mais tarde viria a ganhar um Nobel de Economia pelo desenvolvimento da Teoria dos Jogos.

Ou resolvesa equação, ou levas uma pêra..
“Dúvidas?”

Melhor filme? Tem momentos interessantes cinematograficamente, como a cena de engate no bar em que o Nash começa a desenvolver a teoria e as sequências que envolvem matemática e o processo de resolução de problemas do personagem principal. Vive do desempenho do Russel Crowe e das ideias que apresenta – a maneira como lidamos com a realidade, a genialidade e o que é ser ‘normal’. É um filme competente, com rasgos de francamente bom cinema, que consegue atingir objectivo a que se propõe.

É de recomendar? Sim, mais pela introdução à figura de Nash e pelo valor histórico que vai ter.

Melhor de 2001? 2001 não foi um ano particularmente interessante, mas o Senhor dos Anéis: Irmandade do Anel é incontornável: provou que era possível filmar Tolkien, elevou a fasquia dos efeitos especiais numa história com substância e desenvolvimento de personagens.

Além de ter registado um 9.5 na escala de épico.
Além de ter registado um 9 na Escala de Épico.

Chicago (2002)

O que se passa? A maneira de Hollywood dizer fuck off ao cinismo dos anos 90, com a ideia de que os musicais clássicos ainda podem ser relevantes, inteligentes e divertidos.

Melhor filme? É verdade que Chicago consegue ser um filme moderadamente relevante, inteligente e divertido, mas não deixa de ser um musical. Qualquer filme onde as pessoas interrompem uma acção normal para desatar em cantoria, impedi-lo-á sempre de atingir a grandeza.

Mesmo que tenha John C. Reilly
Mesmo que tenha John C. Reilly

É de recomendar? A não ser que se tenha um interesse particular por musicais, nem por isso.

Melhor de 2002? A Cidade de Deus. Para qualquer pessoas que tenha visto a Cidade de Deus em 2002, não há muito mais a dizer. (além de que qualquer um dos outros nomeados – por exemplo, Gangues de Nova Iorque, – era melhor que o Chicago)

Senhor dos Anéis: O Regresso do Rei (2003)

O que se passa? O último filme da trilogia do Senhor dos Anéis. A conclusão da saga, ou a terceira parte do filme de 8 horas que o Peter Jackson foi filmar para a Nova Zelândia.

Melhor filme? Segue o mesmo padrão da trilogia original de Star Wars, não sendo tão bom como o segundo filme é uma conclusão muito bem conseguida. Estabeleceu novos padrões visuais e de direcção de arte, a direcção continua muito competente, pode dizer-se recebe o Óscar quase que por representação dos três filmes.

E... temos um 10 na escala de Épico.
E… temos um 10 na escala de épico.

É de recomendar? Claro que sim. É o Senhor dos Anéis.

Melhor de 2003? Kill Bill, Vol.1.,.

"Quentin Tarantino, UMa Thurman, UMa Thurman
“Quentin Tarantino, Uma Thurman, Uma Thurman, Quentin Tarantino.”

Million Dollar Baby (2004)

O que se passa? Clint Eastwood agarra na Hillary Swank, confronta-a com alguns dos temas mais estruturais da condição humana, mascara-os num filme de boxe e filma-os num jogo de sombras chiaroscuro.

Melhor filme? É uma obra-prima.

É de recomendar? Sim, sem adiantar nenhum pormenor da história.

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“Se achas que isto está a ser duro agora, ainda não viste nada.”

Melhor de 2004? O Million Dollar Baby corporiza melhor uma série de valores cinematográficos intemporais. é mais filme, mas o Eternal Sunshine of the Spotless Mind (Despertar da Mente), além de ressoar emocionalmente comigo, é um filme quase único, onde o Gondry arranca dois desempenhos incríveis do Jim Carrey e da Kate Winslet (cada um nos antípodas das suas personagens-tipo) e consegue percorrer com maestria a  fronteira entre a transgressão experimental e as regras bem definidas da comédia romântica alternativa americana.

Crash (2005)

O que se passa? Um filme ‘mosaico’ sobre o racismo em Los Angeles, com várias histórias cruzadas e a ambição de abordar perspectivas diferentes sobre o assunto.

Melhor filme? Tem algumas dificuldades em conseguir viver à altura da sua ambição. Como filme mosaico, a estrutura não é particularmente interessante (o Robert Altman já fez, e fez melhor), e algumas das personagens também não. Vive de algumas cenas chave, mas como todo é pouco.

É de recomendar? Nem por isso. Se estiver a dar na televisão, e não houver nada para fazer.

Melhor de 2005? 2005 foi um bom ano para nerds, com as estreias do Batman Begins, Sin City e Star Wars: Episode III. Mas se o Mar Adentro tivesse ganho o melhor filme, toda a gente achava muito bem.

 The Departed (2006)

O que se passa? O Martin Scorcese decide fazer um remake do excelente Internal Affairs (um filme de Hong Kong, de 2002), chama o Leonardo DiCaprio, Matt Damon, Jack Nicholson, Mark Wahlberg, Martin Sheen e Alec Baldwin, entre outros, e o inevitável acontece – impossível fazer um mau filme.

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“Tu fazes-me querer ser um criminoso melhor”.

Melhor filme? É um filme muito bom, embora dê a ideia que o Scorcese de vez em quando já anda em piloto automática.,Foi a maneira os Óscares se redimirem por nunca terem dado um prémio ao realizador de Taxi Driver e Goodfellas, mas acaba por não ter a originalidade de nenhum desses filmes, nem do filme em que se inspira.

É de recomendar? Sim, embora não esteja nos cinco melhores filmes do Scorcese, é um thriller quase perfeito. Além de ter resgatado o Jack Nicholson às comédias românticas, o que terá sempre valor.

Melhor de 2006? É possível que sim, teria de rever o Labirinto de Pan para ter a certeza. Dos cinco nomeados era o melhor.

Este país não é para velhos (2007)

O que passa? Os irmãos Coen transformam Javier Bardem num psicopata e o Tommy Lee Jones num xerife introspectivo, naquele universo Coen onde a aparência de normalidade é traída pela realidade que eles conseguem criar com uma maneira de filmar muito característica.

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Nunca me tinha apercebido disto.

Melhor filme? É uma evolução formal daquilo que eles já tinham feito em Fargo, com um vilão melhor e irrepreensível em termos de filmagem, composição e direcção de actores. Como filme é quase perfeito. Só não digo que é perfeito porque tive dificuldade em conseguir ligar-me às personagens. O Josh Brolin é competente, mas não é memorável, e o Tommy Lee Jones, no papel do polícia, convence, mas não consegue atingir o nível superlativo que a Frances McDormand teve no Fargo.

É de recomendar? Certamente, mas embora este e o Fargo sejam reconhecidos como filmes mais completos, em termos de Coen, gosto mais das idiossincrasias do Big Lebowski e do Barton Fink.

Melhor de 2007? Sim.

Slumdog Millionaire (2008)

O que se passa? O tipo que fez o Trainspotting decidiu ir para a Índia filmar a história de um orfão que, contra todas as expectativas e muitos obstáculos, está prestes a ganhar o prémio máximo no Quem Quer Ser Milionário indiano.

Melhor filme? É o Forrest Gump dos anos 00. Muito bem filmado, polido tecnicamente, dois ou três videoclips lá pelo meio, uma injecção de cor e optimismo, mas o argumento é oco, vive muito dos momentos feel good e todo a dinâmica da história (a relação das perguntas com os flashbacks) parece forçada, servindo apenas o propósito de nos transportar de momento em momento.

E metáforas, imensas metáforas.
E metáforas, imensas metáforas.

É de recomendar? Não. O Danny Boyle fez o Shallow Grave, o Trainspotting e o 28 Days Later. Não precisamos disto para nada.

Melhor de 2008? É uma escolha díficil entre o Dark Knight e o Gran Torino.

Hurt Locker (2009)

O que se passa? A Kathryn Bigelow devolve-nos a esperança em relação aos filmes de guerra de Hollywood.

Melhor filmes? Uma combinação irreprensível de um argumento muito sólido, cinematografia quase perfeita e direcção de actores em que não haveria nada para melhorar.

É de recomendar? Sem dúvida, tanto como filme como artefacto cultural da época a que pertence.

Melhor de 2009? Sim.

King’s Speech (2010)

O que se passa? A relação do Rei Jorge VI de Inglaterra, interpretado por Colin Firth, com o seu terapeuta da fala, o excêntrico Lionel Logue, num papel de Geoffrey Rush.

"Alguém pediu uma figura de mentor excêntrico mas talentoso que vai trabalhar a pessoa e não o problema?"
“Alguém pediu uma figura de mentor excêntrico, mas talentoso, que vai trabalhar a pessoa e não o problema?”

Melhor filme? É um filme agradável, bem filmado e interpretado, mas sem grandes rasgos de genialidade ou mérito cinematográfico.

É de recomendar? Talvez, não é um filme essencial em lado nenhum, mas talvez possa ter lições importantes para quem acha que a introversão não pode ser melhorada.

Melhor de 2010? Nem pensar – Inception, com uma menção especial para o Scott Pilgrim (um dos poucos filmes que, com sucesso, consegue combinar linguagens do cinema, videojogos e banda desenhada).

 

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10 Comments

  1. Excelente post. Ficar a pé para ver a cerimónia, acho que nunca fiquei, no entanto o meu interesse era muito maior. E ninguém bate o Billy Cristal como apresentador.

    Gran Torino e Inception, sem dúvida. Hurt Locker também.

  2. prefiro de longe o lost in translation ao kill bill 1. aliás fiquei desiludida quando vi. excesso de cenas de luta e pouco mais. o 2 é de longe bem melhor.
    a mim tocou-me mais o before sunset que o eternal sunshine.
    de 2006 gostei muito do queen. brilhante helen mirren.
    nunca trocaria o slumdog pelo batman, mesmo sendo este o melhor dos três. achei tudo no filme delicioso. o gran torino não vi. mas aprecio mais o clint eastwood que o nolan.
    hurt locker, sim, siiim.
    inception é que nunca. achei que tinha imenso potencial mas acabou numa montanha de previsibilidades. o kings speech só em interpretação bate logo de longe o inception. o 127 hours também achei melhor que o inception. a minha torcida de óscares e favorito desse ano foi o winters bone.

  3. Devo dizer-te que acho que não concordo com nenhuma (ou praticamente nenhuma) das avaliações que fazes acima. Mas uma delas tenho mesmo que me mostrar chocado (e não é o facto de achares o Kill Bill melhor filme de 2003 – mas podia ser).

    Mostro-me chocado por achares que o No Country for Old Men (que é um grande filme) ser melhor que o Jesse James ou o There Will Be Blood. A pergunta fica: achas mesmo isso ou não viste estes dois?

    • Vi o Blood. Não estou pronto para falar muito sobre isto, mas o que se passa é que, desde há uns anos para cá, o cinema deixou de me surpreender. Claro que não há histórias novas desde os gregos, mas os clichés, os tropes, os artefactos, são sempre os mesmos, reconheço-os à distância, e não é que não goste deles, mas não tenho a mesma disponibilidade que tinha para me deixar surpreender. Eu não adoro o No Country…, mas como filme surpreende-me mais do que o TWBB. O mesmo vale para o Kill Bill, por exemplo, é uma fusão de gramáticas e géneros que não tinha visto, e que achei estupidamente bem feita, mesmo que não passe dum exercício estilístico. Claro que há filmes aqui que ilustram este problema que acabei de descrever. E é exactamente por isso que nos últimos 3 anos fui a cinema umas cinco vezes, e não encontro nada no grande ecrã dos últimos cinco anos que consiga chegar aos calcanhares de uma série como The Wire (uma comparação impensável há quinze anos atrás). O problema é meu.

      • Epah percebo perfeitamente o que queres dizer, mas eu sinto isso um bocado ao contrário. Sinto quanto a efeitos especiais e exercícios estilísticos… Claro que nenhum de nós tem muita razão, são idiossincrasias. Mas então vou-te pedir uma coisa (e é um pedido muito sério). Por favor vê o Jesse James. Garanto-te que vais ter uma agradável surpresa. Há pouco tempo fiz uma lista rabiscada dos meus 10 melhores filmes de sempre (com o cuidado de atravessar as várias épocas e nacionalidades do cinema) e digo-te que o Jesse James estava lá. Podes vir a chamar-me maluco, mas experimenta!

        • Espero que seja óbvio que não estava a falar de cenas tipo Avatar, mas diria que Kill Bill, Scott Pilgrim, Eternal Sunshine, ilustram o que quis dizer. Convenceste-me, vou ver o Jesse James, depois dou notícias! 🙂

  4. Adoro o Scott Pilgrim e o Eternal Sunshine, mesmo. Só o Kill Bill é que não partilho, mas é por não ter crescido com Ninjas e Animes (eu era mais Dinossauros e Cowboys). Diz-me depois o que achaste! 🙂

  5. Gostei muito do post. Concordo com alguns, outros nem por isso. Adorei o Gran Torino como quase todos do Clint. Também gostei muito do Forrest Gump mas o melhor filme será sempre Shawshank Redemption, para mim é um dos melhores filmes de sempre. Pulp Ficton e Kill Bill são muito bons, mas não é material para óscar, muito violentos. O senhor dos anéis, o primeiro gostei os outros foi mais do mesmo. Titanic apar mim é uma banhada. Prefiro qualquer um dos concorrentes, principalmente o “as good as it gets”, espectáculo! Chicago é ultra-banhada mas eu sempre detestei musicais. Já deixei de me ver filmes regida pelas nomeações de óscares.

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