Assim que nos começamos a habituar à gravidez, começa a pairar a expectativa do nascimento. O parto é suposto ocorrer às 40 semanas (9 meses para os humanos normais), mas a partir das 37 semanas já terminaram os trabalhos de produção e o bebé está pronto a funcionar; o que significa que pode acontecer a qualquer momento. A partir das 40 semanas, dizem que as maiores complicações são para a sanidade mental das pessoas.
Esta ideia de num instante passar de não-pai a pai acompanha-nos sem tréguas no nosso dia-a-dia. Ou é a roupa que escolhemos de manhã – “eu quero ser pai nesta t-shirt?”
– ou a pequena prece que fazemos quando abrimos a primeira cerveja de sexta-feira ao fim do dia – “puto, aguenta até segunda, não me estragues o fim-de-semana”.
Há cinco coisas muito importantes que o pai tem de saber quando se fala no parto, elas são:
#1 – As malas de maternidade
Há cinquenta mil sites com as listas de maternidade para as malas que os casais devem preparar quando se começa a falar no parto. Fazer a mala para uma pessoa que ainda não chegou a este mundo é uma ideia peculiar, mas não tão estranha como pedir a uma mulher que faça uma mala com semanas de antecedência.
A mala também é um marco importante na preparação do nascimento, porque envolve comprar coisas. Aqui entram os princípios muito particulares da psicologia subtil do marketing de produtos para bebés (ou puericultura, como se diz em lugar nenhum para confundir futuros pais). Eu disse subtil? Subtil talvez não seja a palavra certa, é que, no fundo, é um tipo de marketing que se pode resumir a isto:
COMO ASSIM NÃO QUERES COMPRAR O CREME MAIS CARO QUE CONTÉM UM FÓRMULA PATENTEADA FEITA A PARTIR DE ESCAMAS DE DRAGÃO DE KOMODO ALBINO PARA O TEU FILHO? ACHAS QUE A HIDRATAÇÃO DA PELE DELE NÃO MERECE O MELHOR?
Já do pai não se espera que faça nenhuma mala. A única coisa com que me preocupei foi em fazer o trajecto casa-hospital na minha cabeça. Todos os dias, durante, pelo menos, dois meses.
#2 – O ‘trabalho de parto’
Antes de ser pai, pensar em trabalho de parto era pensar numa sala cheia de pessoas aos gritos, não muito diferente de uma emissão do Eixo do Mal, mas com um cenário melhor. No fundo, uma célere sucessão de acontecimentos, que começa com “ela vai ter um bebé!”, passa para “empurra, empurra”, e acaba em “é um menino!”.
Mas esta descrição está para o trabalho de parto como marcar um golo está para um jogo de futebol. Daqueles jogos da Itália no Mundial de 1994, em que depois de 90 minutos em que não acontecia nada, o Roberto Baggio marcava um golo quase no fim do jogo.
Na realidade, o trabalho de parto é todo o processo do início das contrações ao nascimento em si. Isto quer dizer que o trabalho de parto dura entre 6 a 12 horas. Já ter lido sobre isto umas cinquenta vezes nas semanas que antecederam o parto, não alterou o facto de, quando recebi o telefonema de “entrei em trabalho de parto”, ter chegado ao hospital carregado de adrenalina.
Passadas três horas estava sentado num sofá a olhar para o tecto, de touca na cabeça, esfomeado e com vergonha de perguntar se podia ir comer qualquer coisa.
#3 – A epidural
Não será irrelevante mencionar que enquanto eu estava sentado, a outra parte do casal começava a experienciar as intensas sensações do milagre do nascimento – as contracções. A Ana decidiu que queria avaliar a intensidade das dores antes de decidir se ia ou não pedir anestesia epidural. Ouviram isto? É o riso escarninho de centenas de mulheres que já entraram em trabalho de parto.
Quem acha que os homens têm tendência para gostar mais de tecnologia, ou serem fascinados por invenções, nunca ouviu uma mulher falar da epidural. Qualquer mulher pós-epidural descreve esta técnica de anestesia como a pedra basilar do renascimento da civilização ocidental, a fundação de uma nova moralidade que devolveu a esperança à Humanidade, ou a direcção que o Sporting nunca vai ter. E a verdade é que a partir da epidural tudo mudou naquela sala.
#4 – A entrega
Há qualquer coisa de mágico na premissa de um nascimento de um ser humano. Nem que seja porque entram cinco pessoas para uma sala e saem de lá seis. Sempre gostei de magia, portanto não quis deixar de estar presente no momento, até porque não tinha nada melhor para fazer. Felizmente, a presença do pai no nascimento dos filhos já não é coisa de comunistas e vegans, é bem aceite e até começa a ser esperado dos homens modernos. Mas convém não exagerar. Estar presente não é igual a ver. Nem todos os profissionais de saúde têm o bom senso necessário para vos alertar para este pormenor, portanto lembrem-se que só os médicos e profissionais devidamente credenciados é que devem olhar para a zona de acção do parto. Eu fui avisado, mais do que uma vez, mas já tive de ouvir algumas histórias traumatizante, portanto fica aqui o conselho.
Quando chegou a altura de me levantar do sofá, coloquei-me junto à cabeceira da cama, naquele que é o lugar de direito do pai no nascimento – encostado a um canto. Esta parte já é mais parecida com os filmes. Há pessoas a falar alto, apelos a fazer força, olhares de desprezo sempre que o pai tenta fazer um comentário engraçado e, deste pormenor já não estava à espera, murros na barriga da mãe para ajudar a criança a sair. Pode ser que não fossem murros, por vezes lembrava aquele empurrar mais assertivo que aplicamos a uma bagageira de um carro que está a resistir a fechar, mas ajudou.
#5 – A criança nos braços
Quando o bebé finalmente saiu, pareceu que entrei numa daquelas cenas em que rebenta uma granada num filme de guerra. O som ambiente fica abafado e o quarto parece ondular à volta daquele pequeno ser manchado a cinza e cor-de-rosa. Lembro-me de dizerem “vá tirar fotografias” e lá fui atrás dele, não sem vislumbrar parte dos despojos da magia do nascimento, mas consegui desviar o olhar a tempo de evitar marcas para a vida.
Os minutos seguintes foram passados a ver o bebé ser pesado, medido e vestido, e a tentar perceber com quem é que aquela cara amassada de recém-nascido era parecida.
Quando o zumbido da granada começa a desparecer, e começamos a perceber que, para alguém que esteve umas horas a ser espremido para o mundo exterior, o miúdo até estava com um ar apresentável, alguém pergunta:
“Então pai, vamos pegar nele?”.
Senti o meu corpo a reverberar num inequívoco “não estamos preparados para isto…” mas alguma coisa enganou o meu cérebro, porque dei por mim a responder:
“Está bem”.
Em retrospectiva deve ter sido algum tipo de programação cerebral relacionada com a palavra “pai”. Uma instrução primordial, que quando activada nos faz fazer coisas estranahas, tais como pegar num recém-nascido que parece que foi acabou de ser passado em farinha. No caminho de regresso para a sala de partos só me lembro de aguardar a qualquer momento que entrasse aquela sensação do melhor dia da minha vida. Os céus a abrirem ao som dos acordes de um filme da Disney, a vontade de comprar uma carrinha TDI, planear férias com casais amigos, mas nada disto aconteceu.
Assim que entrei na sala a enfermeira, que percebeu a expressão de pânico comum às caras do pai e do filho, passou o bebé para o colo da mãe. Já se tinham visto, mas tinha sido de passagem. Mal a mãe olhou para ele, o mundo pareceu desacelerar. Toda a intensidade das últimas horas, a confusão de sensações, a ansiedade, o nervoso, o entusiasmo, resolveu-se ali, naquele momento. As dúvidas e angústias não desapareceram, mas ganharam um novo sentido. Estava ali algo a acontecer à minha frente que eu ainda não entendia bem, e ainda não entendo, mas que senti que era maior do que eu, enorme, tão electrizante como assustador. Estava de directa, cansado, mas aquele momento renovou o sentido de tudo o que se tinha passado até aquele dia.
#3 – A epidural
Uma amiga minha achou que devia esperar para pedir a epidural, e ali se aguentou estoicamente, horas e horas, achando que devia estar mesmo quase. Quando lhe disseram que depois de horas daquilo a dilataçao ainda nem sequer ia a meio começou a gritar “epidural, epidural, epidural!!!”.
(aqui na Holanda evitam dar epidural, e aliás, a maioria das pessoas tem os filhos em casa com parteiras… no comments…)
Estranho. Acho que o universo deu o argumento derradeiro sobre esse assunto quando isto aconteceu: Woman, 36, who campaigned for home births dies having baby daughter at home.
Aqui eles têm uma relação estranha com a medicina, tudo se cura com paracetamol, a maioria das pessoas não faz rotinas – tenho colegas que nunca fizeram análises na vida – e os partos em casa devem-se em parte por ser mais barato.
Mas mesmo quem escolhe ir ter ao hospital, é parir e toca a andar. Uns amigos meus, quando foram ter o segundo filho, pediram-me para ficar “on call” e ir lá para casa e ficar com o de 3 anos quando fossem para a maternidade. Ligaram-me à meia-noite e meia, cheguei, saíram por volta da uma, e estavam de volta com o bebé às cinco e meia da manhã. Complicaçoes pós-parto, who cares? A mãe está cansada, quer descansar? Vá descansar para casa que isto não é hotel.
E nem de propósito, o novo post do “Stuff dutch people like”:
http://stuffdutchpeoplelike.com/2013/02/12/natural-drug-free-birth/
Depois de limpar as lágrimas de tanto rir com os 95% do texto de cima, vêm-me as lágrimas de comoção com os 5% do fim!!
Lindoooooooo!!!!!
Exato!
Estou aqui c lagrimas nos olhos a dar de mamar ao meu filho e a pensar no momento em que nos vimos a primeira vez, tal qual como descrito!! Este blog é fabuloso! Escreve tão bem André. Parabens. Vou ser sua seguidora. Parabens outra x.
Eu era uma das iluminadas que pensavam que era melhor esperar para ver se queria a epidural. Pensava eu ‘já me desvitalizaram um dente sem anestesia, já parti ossos e rompi sei lá quantos ligamentos, sofri toda a vida dos ouvidos, tive dores de dentes antológicas – aguento parir sem anestesia, de certeza’. Digamos apenas que tive um trabalho de parto muito induzido, muito bruto e muito curto. 30 mn depois de começarem as contracções implorava pela epi. O meu marido, desesperado, quase hi-jacked uma cadeira de rodas para me levar para o bloco mesmo sem terem dado ordem. Quando finalmente me presentearam com a droga, percebi todas as minhas antecessoras que tanto louvam a bendita.
E o final deste post – maravilhoso.
quero muito ter um bebé mas confesso que morro de medo só de pensar no parto. Já ouvi de tudo: desde a minha prima quando fui ver o bebé dela ao hospital que me disse “isto é muito fácil, em meia-hora estava cá fora”, a uma amiga minha que uma vez me encurralou num canto, numa festa, a dizer que “a gravidez é horrível, nunca mais quero estar grávida, e dar de mamar que horror os mamilos ficam todos em ferida e o parto dói imenso”. Também já ouvi não sei quantas histórias de vaginas todas rasgadas e terem de levar imensos pontos e que na hora de fazer força a mulher faz cocó…enfim, tudo cenários muito apelativos
quero muito ter um bebé mas confesso que morro de medo só de pensar no parto. Já ouvi de tudo: desde a minha prima quando fui ver o bebé dela ao hospital que me disse “isto é muito fácil, em meia-hora estava cá fora”, a uma amiga minha que uma vez me encurralou num canto, numa festa, a dizer que “a gravidez é horrível, nunca mais quero estar grávida, e dar de mamar que horror os mamilos ficam todos em ferida e o parto dói imenso”. Também já ouvi não sei quantas histórias de vaginas todas rasgadas e terem de levar imensos pontos e que na hora de fazer força a mulher faz cocó…enfim, tudo cenários muito apelativos
O meu marido diz que e isto mesmo sem tirar nem por para ele 🙂
Agora 6 a 12 horas de parto…hum…tb queria… Nao conheco muitas mulheres para quem tenha sido assim para o primeiro. No meu caso foram 22h. A minha melhor amiga 45h. A minha mae para mim…72h.
Ah e ja agora aquilo dos 9 meses e tudo treta: 40 semanas sao 10 meses. E quando passa, como foi o caso comigo – 42 semanas, e mesmo um caso de total loucura.
Para completar o comentario da Luna: tb vivo na Holanda. O parto em casa e mesmo por defeito. Nao se trata de escolha. TEM de ser em casa. So se vai para o hospital se houver complicacoes, planeadas ou nao, ou se estiveres disposta a pagar do teu bolso todos os custos do parto e dos cuidados medicos resultantes, porque sem razao medica valida nao es reembolsada de nada se decidires por tu propria iniciativa de ter o bebe no hospital. Aqui so ha 5 anos que a epidural existe em todos os hospitais. Antes disso era so em alguns e mesmo agora ha alguns que nao gostam de a propor. E preciso investigar bem antes de optar por este ou aquele hospital. E sim, de facto a estadia no hospital para um parto normal sem complicacoes sao 12h. Mas a EXCELENTE coisa aqui e que ha uma enfermeira que vem a casa tratar de tudo, incluindo os restantes filhos, marido, cozinhar, limpar etc… por 6h por dia durante 8 dias. Um luxo para quem nao tem familia por perto.
Lá está, as pessoas tem os filhos em casa para poupar dinheiro. Mas não é obrigatório e há alguma comparticipação do seguro sim, que os meus amigos expats tiveram todos filhos no hospital – uns no privado e outros no público.
p.s. e a estadia no hospital para um parto normal sem complicaçoes são 3h, como no caso do segundo filho dos meus amigos que descrevi, e que estiveram no hospital menos de 5 horas. no primeiro foram as 12h, mas porque teve de ser induzido por falta de líquido amniótico, e porque houve algumas complicaçoes com o ritmo cardíaco do bebé durante o trabalho de parto.
e estes meus amigos foram para o privado, porque aqui o hospital é universitário, e como tal arriscavam-se a ter 15 estudantes de medicina a ver e a fazer o toque para aprenderem, como aconteceu a outra amiga nossa.
Hospitais privados na Holanda? Não serão todos os hospitais semi-privados na Holanda?
Btw, só tens os estudantes todos a fazerem-te o toque, etc, se permitires.
Devo viver numa Holanda muito diferente da tua, na “minha”, qd fiquei grávida ninguém me pressionou para ter o parto em casa, tive epidural por indicacão da minha midwife, e estive num quarto super confortável onde só entrou quem eu quis e, depois de um parto sem qulaquer complicacões que acbou às 20h00, fiquei no hospital até ao dia seguinte. Sempre com a minha bebé e marido junto a mim e, imagina tu, sem pagar nada extra por isso!
Tirando a grande mentira das 12 horas (tem vezes que é um bocadinho mais…), já me fartei de rir e acho que deve ter isso mesmo que o meu homem sentiu. Lembro-me especialmente do momento em que praticamente o obriguei a pegar na criança e daquele momento cliché, anterior a este (que te esqueceste de referir), em que o mandei calar com o “vá, tem calma, já passa, já passa”, ele esparramado no sofá a tentar dormir enquanto eu me contorcia com dores. Quanto à parte da epidural, não poderias ter descrito melhor 🙂
“grande mentira das 12 horas”? Eu estive 12 horas em trabalho de parto.
“grande mentira das 12 horas”? Eu estive 12 horas em trabalho de parto.
“grande mentira das 12 horas”? Eu estive 12 horas em trabalho de parto.
“grande mentira das 12 horas”? Eu estive 12 horas em trabalho de parto.
Amei…
Eheheheheh… É isso mesmo. Agora consegues espremer o humor da situação, mas na altura, deviam ter-te fotografado as expressões…
Eu , Old School Golden Girl, tive a primeira ao vivo e a cores, a equilibrar-me no arame sem rede. Quando da segunda, fui questionada sobre a Epidural e, claro está ,anuí… isto foi antes de entrar para a sala de anestesia e ver a bisarma de agulha que estavam a espetar entre as vértebras da desgraçada que entrou antes de mim, e de ter desligado tudo e fugido a sete pés, ou com os que ainda me restavam… escusado será dizer que me arrependi amargamente após 10 horas de agonia.
Mas depois, um suspiro fundo e um pãozinho quente nos braços, compensam todos os suplícios deste mundo… 🙂
O ponto de vista do pai… Lindo!!
Chorei a rir!
André, em grande forma pá.
“só me lembro de aguardar a qualquer momento que entrasse aquela sensação do melhor dia da minha vida. Os céus a abrirem ao som dos acordes de um filme da Disney, a vontade de comprar uma carrinha TDI, planear férias com casais amigos, mas nada disto aconteceu”
abraços
Muito bom mesmo! Epidural? Mas há dúvidas??? Tenho 2 filhos, da 1ª a epidural era uma coisa nova e, como tal, cheia de tabus e eu, nos meus inocentes 18 aninhos disse: – nahh que tenho medo!; Agora no 2º ja com 32 e mais juizo e informação disse logo: – Mas quando é que me dão a porra da epidural? Por favor? Alguém? Muito mas mesmo muito obrigada!
Às vezes nós, mulheres, não temos sequer ideia do que vos passa a voçês, homens, pela cabeça e o que se passa é isso, um turbilhão de pensamentos, de emoções, de tudo!
Muitos parabéns pelo texto, pela sinceridade e, já agora, pelo ser mágico que acabou de chegar!
Mickey Rourke… A partir de agora, a sua imagem vai surgir na minha cabeça sempre que vir um recém-nascido…
E o último parágrafo está, de facto, comovente. Parabéns!
Depois de limpar as lágrimas de tanto rir, ler os coments abaixo, dou graças por ter tido a epifania de pedir a epidural mal entrei no quarto do hospital, ia o trabalho de parto mesmo no início. Sinceramente, não quero conhecer os meus limites, mesmo. Sou aquela tipa quando vai ao dentista pergunta se não pode levar duas anestesias…
Isto vai ser ouro para o meu namorado, “encontro-o” em cada vírgula do que está escrito 😉
Eu tive epidural das três vezes e, se tiver mais filhos, terei novamente, mas a minha mãe (noutros tempos, claro), teve os sete filhos sem epidural e num instantinho!
Muito bom!!!