Uma declaração de missão para a família?

Há uns dias estava a ler um livro sobre Content Marketing e tropecei numa ideia interessante. Numa passagem sobre a importância das empresas terem uma ‘declaração de missão’, que seja clara e incisiva, o autor, Joe Pulizzi, refere que a família dele também tem um mission statement.

Para quem não sabe (há coisas mais interessantes para saber), a declaração de missão de uma empresa é uma afirmação que define o seu propósito, a sua razão de existir. Como tudo o que se relaciona com grande parte do mundo das organizações e marcas, a maior parte das “missões” que encontramos por aí não passam de tretas floreadas – ou, utilizando um termo técnico de comunicação, “bullshit” -, sem nenhum propósito que não seja encher linhas num relatório anual ou página da Internet.

Mas há aqueles raros casos em que a declaração de missão é, ao mesmo tempo, uma inspiração e uma referência para o trabalho que une um grupo de pessoas. Quando a LEGO diz que quer “inspirar e desenvolver a criatividade nas crianças”, por exemplo, percebemos que isso está claro naquilo que a empresa faz e representa. Ou, num dos meus exemplos de comunicação / publicidade favoritos, quando a AVIS nos anos 60 adoptou o lema “We Try Harder” (porque era a nº2 no mercado, a seguir à Hertz), que servia simultaneamente como um slogan de publicidade e como um motto para os seus funcionários.

Avis we try harder

A ideia de ter um conjunto de princípios orientadores, declinados num texto, que dê significado e nos lembre sempre daquilo que devemos e queremos ser como família, parece-me muito especial. Algo que possamos pendurar numa parede e que oriente e dê sentido à vivência em casa, e fora dela. No caso da família Pulizzi é:

THE PULIZZI MISSION
As Pulizzis, we hold true the following with ongoing purpose and action:
• We thank God every day for our blessings, even on days when we are challenged or face hardships.
• We always share what we have with others, and help out whenever we can to whoever is in need.
• We praise each other, as we are each blessed by God with unique talents.
• We always finish what we start, always try even though we may be afraid, and always give the activity of the moment our full
attention.
 
Short Version:
• Thank God. Always Share. Say Nice Things. Give Our Best.
(Epic Content Marketing)

É bonito. Não me identifico muito com a parte religiosa, mas mesmo omitindo a palavra “God” o texto continua a fazer todo o sentido. Falei nisto à Ana, e achámos que era uma ideia muito gira. Combinámos que também íamos tentar escrever a nossa missão.

O processo não é simples. Antes de começar a escrever, temos de perceber o que nos move, o que queremos alcançar. Temos de definir os nossos valores, discutir, negociar. Temos de chegar a um conjunto de princípios que sejam inequívocos e perenes. Para que não seja algo que perca o sentido, ou pior, se transforme numa piada. Já fiz exercícios semelhantes no contexto profissional, e são sempre interessantes. Começa-se por definir grupos de valores a nível individual. Tipo, “os 10 valores mais importantes para mim são…”. Depois reduzem-se para cinco. Depois discute-se e negoceiam-se entre os valores das diferentes pessoas para que entrem numa ‘pool’ comum. Esta é uma maneira, haverá outras.

team building
Desde que não seja um “team building” vai correr tudo bem.

Mesmo fazendo uma busca pela Internet percebe-se que este conceito da “missão familiar” tem aparecido nos últimos tempos. A Atlantic tem um artigo que é um bom ponto de partida sobre o assunto, e o Art of Manliness (não estava à espera) até entra em mais detalhe.

Também acho interessante quando se diz que os filhos também devem ser incluídos no processo de elaboração da missão, mas lá em casa é prematuro pensar nisso, a não quer que queiramos incluir valores como ELEFANTE ou ÁBUA. Vamos ver onde a discussão nos leva, se for para sítios interessantes voltarei ao assunto. Espero que sim.

Se tiverem experiências para partilhar, deixem aí umas ideias nos comentários.

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9 Comments

  1. Nós vamos escrevendo mensagens de conteúdo “missão” nas paredes lá de casa
    ou antes, nas paredes da escadaria e numa janela (com aquelas canetas brancas muito fixes)
    por acaso, ainda não postei as mensagens que escrevemos desde que os nossos filhos chegaram, mas ali – http://queodiatesejalimpo.blogspot.pt/search/label/paredes, já se espreita uma mensagem que o meu Chaparro me deixou enquanto esperávamos por eles
    (e pronto, agora fiquei com vontade de ir fotografar as restantes paredes, a ver se tenho tempo este fds…)

    p.s. obrigada pela partilha do artigo ‘Asshole Dads’ alguns posts abaixo
    fico um bocadinho reconciliada com o mundo quando alguém consegue dar(-nos) um abanão com bondade, sem o tonzinho da culpabilização. Muito bom mesmo.

    • Também é uma boa abordagem, pessoas chatas diriam que é uma “metologia iterativa”. Com eles mais velhos também daria bom assunto de conversa, “discutir” uma frase da semana, ou assim. Mas não sei se isto é ético, ou moral, discutir conceitos e afirmações destas… o que será destes miúdos? 😀

    • Como dizia o chefe de um boteco que vendia pizzas à fatia, que era perto da casa onde eu morava em Roma, e que eu frequentava religiosamente em dias de ressaca (era cliente habitual):

      -“No, no, grazie a TE“.

      Claro que não estou a insinuar que os meus leitores bebem muito e depois vêm aqui ao blog, mas sim que é sempre bom saber que há pessoas que lêem e gostam. Talvez não tanto como daquela pizza à fatia, que era óptima, mas ainda assim… :->

  2. A minha dúvida ao pensar no conceito de ‘missão familiar’ é se me faz mais sentido definir um conjunto de valores/posicionamento genérico que se sobreponha a momentos/etapas específicas para a família (utilizando terminologia do ramo – uma assinatura de marca) ou se nos faz mais sentido algo mais ao estilo de posicionamento de campanha, em função de objectivos actuais.

    É claro que se não formos uma família esquizofrénica, os valores em que acreditamos estarão sempre lá. Mas, há sempre margem para irmos evoluindo 😉 (http://adage.com/article/news/50-years-avis-drops-iconic-harder-tagline/236887/), mesmo que possivelmente daqui a 50 anos o meu filho me possa a vir a questionar a sanidade mental se lhe propuser algo semelhante.

    Por exemplo, a nossa missão familiar, pode ser mais genérica ou, nos primeiros anos de vida do mini cidadão, ter também um foco nesta fase. Mas pronto, a variação é só se a missão é algo tipo divisa, que permanece imutável ao longo dos tempos ou algo evolutivo, com base em valores centrais.

    Mas isto sou eu, que posso ser levado a ver briefings e estratégias em tudo 🙂

    • A missão é (ou deve ser) uma afirmação que é suportada por um conjunto de valores. Se esses valores são estruturais, e se radicam na vossa forma de estar na vida, não creio que sejam “genéricos”, “contextuais” ou “específicos”. A abordagem publicitária é perigosa, porque a publicidade é, por natureza, efémera – aqui estamos noutro nível. (O caso da Avis é “freak” porque a ideia de uma missão’ acaba por derivar do slogan, mas só por causa disso – normalmente devia ser ao contrário).

      Claro que a missão pode mudar, sobretudo se os valores que a suportam mudarem, mas acho que isso não acontece (ou não é suposto) acontecer assim tão frequentemente.

  3. Pois, a natureza porventura mais publicitária do meu enquadramento envieza naturalmente a coisa. Se a família fosse uma marca, esse posicionamento/valores poderia ser flexível aos momentos da mesma e, face à definição de missão, o comportamento não se aplica.

    À falta de brasão, será então uma espécie de divisa da família, com alguma abrangência. Parece-me interessante, tenho que pensar em algo que não inclua trocadilhos 😉

    • Sim, repara que depois podes declinar as “campanhas” que quiseres a partir da missão. 🙂 Mas acho que também é uma boa analogia, essa da divisa. Embora um pouco mais elaborada, como dizes.

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