Rir na Internet – memórias em lol

Já não me lembro de como me ri pela primeira vez na Internet em interacção com outro ser humano, mas é bem possível que já tenha sido com um lol. Estaria nos primórdios da minha relação com a Internet em casa, algures em 1995, e terá acontecido no IRC ou no defunto NetMeeting.

netmeeting
O NetMeeting era uma mistura de Skype e IRC, que dava para conversar com uma amigo no estrangeiro ou pedir a uma inglesa desconhecida que nos mostrasse as mamas. Ouvi dizer.

Também não me lembro onde terei aprendido que lol queria dizer laugh(ing) out loud, e que era assim que as pessoas riam na net. Provavelmente através de um amigo “cibernauta”, ou num qualquer artigo sobre cibercafés, esses espaços futuristas onde as pessoas ainda inclinavam a cabeçar de lado para conseguir descodificar smileys. O lol era paradigmático dessa nova fronteira popular do conhecimento humano, uma referência meia tosca mas obscura, um código de modernidade para uns, um sinal do declínio iminente para outros.

Mas, acima de tudo, o lol era útil. Servia para reconhecer que algo tinha piada, mas também era uma óptima muleta de conversa online. Quando não estávamos muito interessados num chat(o) em particular, e se a outra pessoa tinha pretendido dizer algo vagamente engraçado, podíamos ganhar tempo deixando só um “lol” na janela e só lá voltar passados cinco minutos. Ou esperar que o outro desistisse. Mas esta versatilidade do lol também começou a desvalorizar a palavra enquanto representação de riso genuíno. Mas ao invés de se se tornar obsoleto, o lol começou a declinar noutras variações com o objectivo de reforçar o sentido original da palavra – rir alto.

Como LOL, por exemplo. LOL era uma forma de podermos dizer “A sério, ri-me mesmo. Nós sabemos que lol não quer dizer nada, mas LOL já é especial, até tive de carregar em mais um tecla para fazer as maiúsculas!”. O LOL também degenerou noutras variações pitorescas, como RO(T)FL, ou, o mais recente, LMAO, que não acrescentam grande valor. Portugal também se sentiu na obrigação de compensar o declínio embaraçoso do lol, com as com a lolada, ou, o ligeiramente mais digno, LOLÃO.

loooool
O LOOOOOL é mais usado pelo pessoal das motas.

Estou a tentar evitar falar do vil lolol. O lolol é uma tentativa mariconça de tentar compensar o pouco entusiasmo do lol, mas nunca lhe consegui dar grande valor. O que o lolol diz é “vou acrescentar mais um ol para parecer que me estou a esforçar, mas na realidade não estou”. Nunca gostei do lolol, ou do lololol, já agora. Já um lololololololol denota algum esforço e, mesmo sendo incapaz de o utilizar, reconheço-lhe mérito.

O momento ah ah.

A dada altura deixei de usar lol. Estávamos no início dos 00s, o Messenger começava a dominar a cena do chat, e o lol mergulhou ainda mais no seu processo de declínio. É nesta altura que a Internet começa a ficar mais popular, e a ser invadida por pessoas normais, o que se revelou trágico (sobretudo com os blogs). O resultado: lols por todo o lado.

thmariodancesmiley-dance013andre212 (no messenger também se começaram a usar gifs animados, outro sinal de declínio)

É aqui que adopto o Ah como expressão mestra de várias variações que me permitem expressar tipos de riso e alegria diferentes. Além de me permitir ser do contra, que é das coisas que gosto mais de fazer na vida, o ah tem um incrível versatilidade, e não deixa de ser um produto nacional (não confundir com ha).

Podemos ir do entusiasmo mais reservado de ahah a um ahahahah, bem mais espontâneo e despreocupado. A partir daqui podemos também partir para os terrenos da hilaridade, com um ahahahhahahahahahahahahahaha, e, se o momento se justificar, abraçamos o histerismo e galgamos a janela com várias linhas de ahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahah
ahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahaha
hahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahah
,
para que não fiquem dúvidas sobre os níveis de piada que se atingiram naquela conversa.

Mas a beleza do ah não se fica por aqui. Três espaços e o ah adquire uma bela tonalidade sarcástica: “ah ah ah“. Isto é algo impossível de fazer com lol. Talvez dê com “lol”, mas não é a mesma coisa. E com um ponto de exclamação, apenas um, também dá para fazer evocar a clássica interjeição em ah!


(Um dos ah! mais traumatizantes da minha geração)

Claro que não podemos esquecer os ocasionais eheheh. Também utilizava de vez em quando. Uma gargalhada malandra, ou mais comedida, mas da qual não podemos abusar, porque cai facilmente numa espécie de riso degenerado. Já ao infantilóide ihihih nunca consegui chegar, mas admiro o homem que se consegue safar com a sua utilização. É um bocado como aquela história da camisa cor-de-rosa – não é qualquer um que consegue.

Rose Shirt
ihihihi?

Esta afectação pretensiosa de rejeitar os lol acabou por me passar, e hoje utilizo um lol aqui e ali, sem grande problema. Sobretudo se vejo que o meu interlocutor é um adepto do lol, e deixo-me levar por uma mistura de pragmatismo e cortesia. Só que também já me aconteceu, por conveniência ou distração, avançar primeiro com um lol e sentir-me ridículo quando  percebo que o meu interlocutor, além de não ser um adepto do lol, não é homem de embarcar emquestões de pragmatismo cortesia. Então fica ali aquele lol incriminador, sujeito à sua reprovação e ao meu embaraço, no registo da conversa. Para sempre.

Também já flirtei com o hipster “ri-me.”, mas as aspirações alternativas e o toque do ponto final dão-lhe um toque pretensioso que até eu acho exagerado.

A sério, Brasil?

Fora desta perspectiva pessoal, claro que há muitas mais variantes de riso online no mundo, sejam linguísticas, culturais ou geracionais. Do jejeje espanhol ao MDR francês, umas mais bizarras que as outras. Mas, se entrarmos no terreno WTF das expressões do riso, podemos dizer que há um país que se distingue de todos os outros. Não falo dessa superpotência do bizarro que é o Japão, nem do novo grande país emergente nessa área, que é a Rússia.

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A Rússia é uma nação onde não se aplicam nem as leis de bom senso nem qualquer outro tipo de leis.

Falo, claro, de um país muito mais próximo de nós – o Brasil.

A primeira vez que li um brasileiro a rir na Internet foi através de rsrsrsrsrs. Rsrsrsrsrs é uma expressão tão pouco intuitiva, para demonstrar uma gargalhada, que fiquei com dúvidas se me estava a tentar explicar o som de uma cascavel a andar pelo gramado ou se uma onça lhe teria saltado para cima do teclado. Ainda por cima, rir sem vogais parece mais coisa de alemães do que de uma língua com raízes latinas. Ainda assim, não deixa de ser verdade que esta bastardização de risos sempre é mais portuguesa que lol – só que bastante menos alegre.

A partir daqui damos um salto conceptual ainda maior, para o kkkkkkk. Kkkkkkkkk ainda é mais abstracto e difícil de relacionar com o riso do que rsrsrsrss. Supostamente lê-se “cá, cá, cá, cá…” o que não parece ajudar. Sempre que vejo o kkkkkkkkk imagino que a outra pessoa teve um espasmo acompanhado de um movimento involuntário do braço, e que este ficou ali preso na tecla K. Admiro-lhe o aspecto prático, não requer nenhuma agilidade digital, mas tenho dificuldade em perceber como é que os brasileiros acharam que cá-cá-cá era um bom fonema para representar riso. Vi telenovelas da Globo até aos 14 anos e não me lembro nem do António Fagundes, nem das sobrancelhas da Malu Mader, rirem como se fossem uma picareta.

Mas, e estou a deixar o melhor para o fim, a manifestação mais interessante em termos de expressão de riso do Brasil é o Huehuhehueheh. À primeira vista não há nada de terrivelmente errado com huehuehuehueuh, mas assim que ensaiamos a palavra em voz alta, percebemos logo que há ali uma cadência demente que nos remete para algo terrível e contra-natura, como o José Figueiras a apresentar um programa chamado Muita Lôco ou um chimpanzé em ácidos.

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Ou pior.

Huehuehuehu é aquele riso louco que nos deixa desconfortáveis. Que dura uns segundos para lá do que é normal, que balança ali entre a admiração e o desprezo, ou simplesmente no entendimento de que a pessoa não está a rir daquilo que dissémos, mas está a rir de qualquer coisa. O impacto psicológico de huehuhehue é tão profundo que alguns servidores norte-americanos de um jogo online ficaram desertos, depois de uma debandada geral por todos os jogadores que não eram brasileiros, já que estes passavam os dias a huehueuehuar. Felizmente, a internet tomou nota e produziu um dos memes mais maravilhosamente perturbadores de sempre:

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lel

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9 Comments

    • A oclusividade do kkkkkkk, em bonecos, lembra-me o pica-pau (a bater na árvore, não a rir). Não sei se é possível transcrever o riso do Muttley, mas se tentasse ia mais depressa para os Hs, por causa da piadeira.

  1. Tanta graça que tu tens!
    Comecei a ler o blog há pouco tempo mas estou fã desta inteligência e perspicácia sagaz!
    You rock À paisana 🙂

  2. Isto está aqui um verdadeiro compêndio de valor da risada manual.

    Lembro quando o lol foi, como dizes, a forma mais rápida de atalhar conversa, traduzindo riso sem a necessidade do repetitivo “ahahah”. Mas foi também porventura o início da crescente tendência para a abreviação, tanto que já nessa altura os mestres do mirc começavam a espalhar (ddtc em vez de “de onde teclas? e por aí em diante).

    Continuo a achar que os ahahaah são bem mais orgânicos do que a maior parte das alternativas que referes, sendo que o eheheheh faz-me sempre parecer um riso cúmplice, mais baixinho, bom para diálogos online onde se partilham trafulhices, má língua e esquemas ocultos. O ihihihi, é para gente que tecla de pernas abertas sem roupa interior. Ou, mais politicamente correcto, para meninas.

    Seja o kkkkk ou o kakakakaka (muito cacarejado), a par do rsrsrsrs, creio que o Brasil precisa de algo mais foneticamente evoluído e amistoso – Se existisse um acordo cibernético para unir o português, ficaria o ahahaha por decreto ou largura de banda para um uáuáuáuá ou coisa mais aberta como é costumeiro em português do brasil.

    E haveria muito também a dizer sobre a introdução em meios não controlados de “wtf”, “brb” e afins.

    • isto é mais uma memória pessoal do que um ensaio de inguistica web, mas o que acho mais interessante no lol é precisamente a palavra descolar do conceito de abreviação desde muito cedo. Lol distingue-se, internacionaliza-se e transforma-se numa expressão própria, com um significado que vai variando (e desvalorizando), e continua a evoluir e a “reinventar-se” (mais recentemente: lawl, lulz, lel…), só formalmente é que continua a ser um acrónimo.

      Já as abreviaturas em si, imho dava para outro paper. = )

      • OMG, tens razão 😉

        Outro dia estava a ler sobre palavras de origem onomatopaica, como por exemplo ranzinza. E estava a tentar perceber que onomatopeia teria dado origem à palavra. Desisti rapidamente.

        Lol já é de facto muito mais que um acrónimo e a verdade é que muita gente nem sequer sabe o significado da palavra. Cheira-me que a médio prazo com algumas abreviaturas irá acontecer o mesmo.

  3. O expoente máximo do LOL foi quando saltou do teclado para a boca… Há pessoas cuja gargalhada é soltar um “lol”. No mínimo, acho deprimente!

  4. Sou brasileira e estou rindo muito com sua indignação com a forma como rimos na internet AHUSHASUHASUASHAUSHASUHASUASHAUSHASUAHSUASHASUHASUASHAUSHASUASHAUSHASUASHAUSHASUHASUASHAUSHASUAHSUASHAUSHASUASHAUSHASUHASUASHASUHSAU

    A verdade é que RS é uma abreviação de “risos”, e precede a era da internet, enquanto que kkkk, qqqq, huehuehue, ashaushasuasaush e outros, nada mais são do que uma forma de dar “imagem” ao riso, que pra nós não tem som definido, é apenas uma sucessão de sons descontrolados!

    Apesar de que o HUE virou uma forma de irritar os estrangeiros, um dos motivos pelos quais eu não uso.

    Mas em resumo, não existe uma forma única de rir na internet para os brasileiros, atualmente os adolescentes têm usado simplesmente bater nas teclas: ÇOISNDVDOnv]POVHNOIBVDOPǗHNGÕIBVŵpdOhjvfpĩobhvPÕDSVHJÑGOUIBHSPOVPjsñpoibh}sVpj, fica mais ou menos assim.

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