Porque é que Man of Steel é um péssimo filme de Super-Homem

Alerta: este post contém alguns estraguetes (spoilers) sobre o filme ‘Man of Steel’. Além disso é uma visão altamente subjectiva sobre o que é o Super-Homem, de alguém que cresceu com os filmes do Richard Donner / Christopher Reeves, começou a seguir as bandas desenhadas na era John Byrne, e nunca teve grande interesse em ver o Smallville.

sempre houve um aspecto paternal muito forte na figura do Super-Homem. O Super-Homem é aquele super-herói que nos dizia sempre que ia correr tudo bem. Uma fortaleza de optimismo e segurança, em face de todos os perigos. E uma confiança inabalável. Uma confiança inabalável nele e em toda a Humanidade. No entanto, algo se passou para que este Super-Homem deixasse de ser relevante. Assim que apareceu o primeiro trailer de Man of Steel, o filme de Zach Snyder que ia fazer o reboot à saga do Super-Homem, sentiu-se um sentimento geral de alívio e entusiasmo: o Super-Homem afinal podia ter barba, podia ter angústias, podia ser dark. Um Super-Homem mais adolescente que paternal. Christopher Nolan e Zach Snyder iam tornar o Super-Homem cool outra vez. O Super-Homem ia passar a ser relevante, num mundo mais adulto e deprimido. Como se hoje em dia precisássemos que até o Super-Homem fosse mais cínico.

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Só que, da mesma maneira que o meu pai não precisa de vestir um casaco de cabedal para ser cool, o Super-Homem não precisava nada deste filme. Man of Steel não é um mau filme. É mais um blockbuster de super-heróis, na sua variante de subgénero tecnocientífico, com motivos de invasão extraterrestre, ainda que sem grande interesse cinematográfico. É bom entretenimento. Mas é um péssimo filme de Super-Homem. É um péssimo filme de Super-Homem porque, em nome de uma actualização confusa, parece determinado em rejeitar tudo o que distingue o Super-Homem dos restantes super-heróis, a sua intemporalidade e valores clássicos – mas não desactualizados. É um filme que, parece querer explorar algumas dessas temáticas mais perenes do Super-Homem, mas sob uma capa de pretensa complexidade, ou modernidade, que nada faz para o tornar mais interessante, ou actual.

Space Nature vs. Earth Nurture.

O tema da paternidade é uma das dimensões que o filme explora. Duas das figuras centrais do filme, e os actores com mais nome, são os pais do Super-Homem. O pai biológico, o cientista de Krypton, interpretado por Russel Crowe, e o pai adoptivo, o agricultor de Smallvile, interpretado pelo Kevin Costner. Ao contrário de Bruce Wayne (o Batman), cuja orfandade, e consequente desejo de vingança, surgem como uma espécie de força motivadora e trauma psicológico; a origem alienígena do Super-Homem foi sempre um veículo interessante para explorar as questões da identidade, do contexto e do ambiente.  Um extra-terrestre criado numa quinta. O último filho de uma civilização em declínio, educado nos valores da América tradicional.

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As abordagens mais interessantes à questão da origem do Super-Homem sempre se encontraram na oposição entre Krypton, uma sociedade estéril e decadente, e a sua pretensa superioridade à primitiva e corrupta Terra. Os pais biológicos do Super-Homem, embora capazes do derradeiro acto de amor, nunca deixam de ser Kryptonianos, um legado que esperam que o filho carregue, e imponha, no seu novo mundo. O filme parece querer recusar essa ambiguidade mais simples em troca de uma complexidade que não favorece nenhum aspecto da história, sobretudo porque nessa ambiguidade reside sempre um dos focos de antagonismo mais interessantes no mythos do Super-Homem: a escolha que Kal-El tem de fazer ao decidir como, e em nome de quem, envergar a capa do super-homem.

LeavingKryptonÉ aqui que reside grande parte do problema deste filme. Já é estranho ouvir o pai Kryptoniano, caracterizado num género roufenho de cientista sensível, explicar ao filho que ele nasceu para ser livre e escolher o próprio destino, ao mesmo tempo que lhe diz para vestir um fato azul e liderar a Humanidade. Mas pior ainda é ter de ouvir o pai terrestre, Jonhatan Kent, dizer ao filho que, em nome da própria sobrevivência, às vezes o melhor será mesmo deixar inocentes morrer. Posto isto, é natural que este super-homem tenha problemas existenciais ao nível de um adolescente de 13 anos. Mas a questão mais importante: que valor acrescenta isto à história do Super-Homem? Nenhum, pelo contrário. A Humanidade  pode respirar de alívio pelo facto deste Super-Homem ter decidido fazer a escolha certa, não devido à educação que teve, mas apesar desta.

 

O Super-Homem pode matar, mas deve?

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Por fim, a estocada final, literal e figurativamente, que acontece já no terceiro acto do filme. O super-vilão ameaça matar uma família indefesa e o Super-Homem não tem alternativa senão partir-lhe o pescoço. O Super-Homem mata o vilão, salva o planeta e traumatiza todos os fãs da banda desenhada dos anos 80. Porque o Super-Homem não mata, mas isso era quando ele era uma seca.

A internet está cheia de discussões sobre se o Man of Steel teria ou não alternativas a matar o General Zod. Esta discussão não me interessa tanto, porque a razão principal do Super-Homem matar o General Zod daquela forma brutal não tem nada a ver com a história do filme, mas sim com a vontade de quem o escreveu. É certo que, na história da personagem, não é a primeira vez que o Super-Homem se vê num cenário de matar ou morrer, mas parece haver uma particular crueldade em querer mostrar às audiências que sim, este super-homem mata se for necessário – deal with it -, como se isso também fosse tornar a história mais interessante, mais adulta, mais contemporânea.

Pouco antes desta cena, já durante a luta final, e depois de milhares de pessoas já estarem enterradas debaixo dos escombros colaterais, o General Zod diz algo do género “ou me matas ou morres, não há outra alternativa”. Infelizmente, o vilão acaba por ter razão. Mas essa era uma das características mais definidoras do Super-Homem: haver sempre outra maneira. O Super-Homem sempre lutou nos seus termos, nunca nos dos seus antagonistas. É por isso que ele é o Super-Homem. É por isso que o mundo precisava de um Super-Homem, por mais irrealista que ele seja, e é por isso que Man of Steel é um péssimo filme de Super-Homem.

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7 Comments

  1. é pá, ainda não vi porque do que sabia do filme o mais certo era acabar com este teu amargo de boca…
    e concordo mesmo com isto:
    “uma das características mais definidoras do Super-Homem: haver sempre outra maneira. O Super-Homem sempre lutou nos seus termos, nunca nos dos seus antagonistas. É por isso que ele é o Super-Homem. É por isso que o mundo precisava de um Super-Homem, por mais irrealista que ele seja”

    Mal acomparado, toda gente sabe que o Capitão América só mata em cenários guerra (nazis então nem se fala), fora isso foi sempre o “there’s always another way” – a coça que o homem dá no justiceiro na civil war mostra que continuam a seguir essa linha.

    Mas os comics (e respectivos filmes) andam ao deusdará, uns fogachos aqui e ali, mas no geral bastante mal, para mal dos nossos pecados.

    abraços

    • Pois é, o Nolan abriu uma caixa de Pandora com o Batman Begins. Mostrou que se podia fazer um filme de super-heróis com alguma complexidade, mas também que estes filmes podiam rebentar com as bilheteiras. O resultado são estes ‘monstros’ que tentam ter algum subtexto interessante mas vivem obcecados com os grandes números de audiência (também por causa do trauma do Hulk do Ang Lee).

      Tenho tanto medo deste encontro do Batman vs Superman que aí vem… abraço!

  2. Bom, eu gostei bastante do filme mas confesso que é porque o rapaz é giro e tem muitas lutas. Não gosto do super homem, acho um herói fraquinho, chato, armado em bonzinho, com um paternalismo irritante face à humanidade do género apesar das boas intenções. O facto de nunca matar ninguém, enerva me. E o disfarce dele como jornalista totó, ainda mais me chateia. E a lois lance tb é uma chata do camandro com a mania que é a maior e que passa a vida a meter se em situações estúpidas. As miúdas da bd são quase sempre uma merda e isso é triste. Safa se a elektra que é granda bad ass. E acho os filmes com o reeve uma seca. Este filme não acrescenta nada ao super homem além de um protagonista mais bonito e mais bruto que até mata. E isso, parecendo que não, é importante. O resto é demasiado americaninho cheio de honras e moralismos, quase tão irritante como o capitão América. Bllhhaarrgghhh. Gosto dos meus heróis mais irresponsáveis como o homem de ferro, mal dispostos e brutos como o wolverine e cheios de problemas interiores e traumas como o batman. E divertido como o homem aranha (o da bd pq os filmes…nem vou falar sobre isso).

    • Bom, mas a cena de matar, é partilhada por quase todos os “grandes” superheróis (Batman, Homem-Aranha, Flash, Lanterna, Thor, etc.), enerva-te em todos? 🙂

      Eu concedo isso do irritar-te, o Super nunca foi dos meus favoritos, mas sempre reconheci e aprendi a respeitar o lugar dele no panteão super-heróico. É bom haver um espectro de personagens que vá do mais “clarinho” ao “dark”, dá para todos os gostos, torna as coisas mais interessantes e os próprios cruzamentos entre personagens mais ricos (a séríe World’s Finest do Batman e SuperHomem é de altíssima qualidade). Se fossem todos deprimidos e traumatizados não tinha graça.

      Além de que, esses aspectos mais tótos do Super-Homem também desapareceram muito nos anos 80/90, o Clark Kent tornou-se mais “homem”, a Lois Lane manteve a inteligência mas perdeu a tontice (no filme é uma nulidade tão grande que nem me apeteceu referir), mas ficou o essencial, claro. E admito que não se goste desse essencial, mas esse foi o Super-Homem que eu vi de mais perto, menos toto e com uma psicologia muito mais complexa – daí a parte dele tentar ter sempre um código puro ser uma luta interessante (e também vi morrer e ressuscitar, o que não foi assim tão interessante, mas enfim).

      O problema deste filme não é o facto de não acrescentar nada, é o facto de QUERER acrescentar e só acrescentar porcaria desvirtuada. Em nome dessa tal filosofia “dark is cool”, que é uma maneira de pensar meia parola. E quem escreve isto é um gajo que sempre gravitou à volta do Batman e do Wolverine, mas o Supes merece seu lugar no panteão, e se for para o odiar, que seja pelas razões certas.

  3. Concordo plenamente… pra mim o super-homem de Christopher Reeve sempre será o que melhor representa o Homem de Aço

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