A escolha do Pediatra

A memória mais marcante que tenho do meu pediatra foi quando ele disse que me dava um murro se eu não parasse de  rir enquanto ele me tentava apalpar barriga. Não tenho mais nenhuma recordação de rir numa consulta médica, portanto, vendo bem as coisas, até acho que é uma boa memória.

Ao contrário dos carros, os primeiros anos de vida das pessoas requerem imensa manutenção. É preciso ver se está tudo a crescer como é suposto, perceber de que se queixa alguém que não se sabe queixar, etc. É aqui que entra o Pediatra. O Pediatra é uma espécie de médico de clínica geral, mas com mais prestígio, o que é estranho se pensarmos que é alguém que trabalha num gabinete cheio de bonecos. A relação de uma criança (e dos pais) com o pediatra é uma das mais importantes na medicina. Não é difícil perceber o impacto tremendo que pode ter na qualidade de vida de toda a família.

Sim, é uma bola de futebol. Toma estes comprimidos que vai correr tudo bem,
‘Dêem estes comprimidos ao míudo, pode ser que se torne num jogador decente.’

Poder escolher o médico (ou o local) que nos trata é um privilégio – que não equivale necessariamente ao melhor tratamento que possamos receber – mas a escolha do pediatra, estando ao nosso alcance, foi algo que achámos fazer todo o sentido. Fizemos umas perguntas, consultámos uns sites, e marcámos consulta pré-natal com um pediatra com consultório privado. Infelizmente, não pude ir, mas a Ana confirmou aquilo que tínhamos lido: um médico com experiência,actualizado, fez algumas recomendações em linha com o que já sabíamos, e disse estar disponível por telefone e por e-mail. Tenho ideia que a maioria dos pediatras já faz isto actualmente, mas deve ter havido um pioneiro que hoje é odiado por todos aqueles que têm de lidar com pais psicóticos a quem tiveram de dar o telemóvel.

A primeira consulta do mexicano até parecia ter corrido bem. Reflexou, chorou, urinou, já não me lembro por que ordem, o médico respondeu a algumas perguntas laconicamente, disse “sim, senhora, tudo a andar bem, bom trabalho, parabéns, até para o próximo mês” e lá fomos à nossa vida.

Aliás, a primeira consulta do mexicano até teria corrido bem, excepto por uns dias depois este tipo ter acontecido:

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Apresento-vos  Terry Brazelton. Terry Brazelton é tipo o Terry Brazelton da pediatria. Isto porque é impossível arranjar uma personalidade de comparação para demonstrar a popularidade dele no campo da Pediatria e os níveis de simpatia que emanam da sua cara. É o sucessor do Benjamin Spock, um gajo que desiludiu milhões de crianças em todo o mundo, que iam buscar o “Meu Filho, Meu Tesouro” à prateleira e não encontravam nada sobre naves ou planetas (true story).

A única crítica que a Wikipedia consegue fazer ao Brazelton é dizer que ele, há uns anos, propagou o mito urbano de que os gatos asfixiam os bebés e recomendou às mães livrarem-se de gatos. Um homem de 90 anos que não gosta de gatos e quer atirá-los pela janela, não devia ser criticável, aliás, olhem para este sorriso:

Say... "Kill all the cats!"
“Vou matar aquele gato, cutchi-cutchi.”

O que aconteceu foi que comecei a ler o Touchpoints do Terry Brazelton (TB). Muito por alto, Touchpoints é o conceito desenvolvido pelo TB para referir-se a pontos-chave no desenvolvimento dos bebés. O livro vai dos 0 aos 3 anos, e vai acompanhando o desenvolvimento do bebé a partir destes touchpoints (a gravidez, o recém nascido, 2-3 semanas, 6-8 semanas, 4 meses, etc.)

Num dos primeiros capítulos ele descreve a primeira consulta típica do recém-nascido. Para um pai que, uns dias antes, tinha estado numa consulta de pediatria que durou cerca de 20 minutos, com um médico que insistia em falar apenas com a mãe, estar a ler sobre uma consulta em que parece que os pais são o convidado supresa da Oprah, com conversa, brincadeiras, troca de receitas e páginas de Pinterest, foi a gota de água.

Baby!
‘Venha daí esse bebé!’

Posto isto, fomos procurar um pediatra de desenvolvimento.

Basicamente, e simplificando o assunto, que é a única maneira de eu o conseguir perceber, há uma linha de orientação pediátrica que privilegia a componente do Desenvolvimento. Além de querer saber se a criança está a crescer bem, e se é saudável, estes pediatras estão também atentos a questões de comportamento e desenvolvimento (como é que se relaciona, aprende, o que acha do futebol do Barcelona, por aí), e ‘trabalham’ estes aspectos com a criança e, sobretudo, com os pais.

Isto também resulta em que sejam médicos muito mais abertos e dialogantes, que é uma subespécie de médicos que, como nerd, me agrada bastante (uma vez apanhei um que me mostrou o resultado de um Google image search cheio de orgulho, como se tivesse acabado de entrar na base de dados do Pentágono). Há cada vez menos paciência para médicos que não olham para os pacientes, ou que tratem o conhecimento como uma espécie de informação codificada que o leigo não merece perceber. Começa também a estar provado que uma atitude mais empática – ciência! – tem efeitos benéficos no tratamento das pessoas.

Não sei se os pediatras de desenvovimento são melhores ou piores do que as outros. No nosso caso, um gajo que leu metade de um livro do Terry Brazelton e uma psicóloga, gostámos da abordagem e da forma de criar a relação, é o que nos parece fazer mais sentido, neste momento. Até que eu leia um livro que defenda a pediatria espartana ou algo do género e aí muda tudo.

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14 Comments

  1. Ontem vi-te na tv.
    E foi tipo…
    eu: Este gajo chama-se André? Hum…
    apresentadora tv: Ah e tal e tem um blog…
    eu: Não, não pode ser ele… Naaaaa…
    rodape da tv: … do blog ‘à paisana’
    eu: naaaaaaaaao.

    conclusão: tens mta mais piada aqui.
    não te revi naquela pessoa…
    foi tipo uma “desilusão”. nada contra, até te portaste bem
    mas não te imaginava assim, mesmo! 😉

  2. Ai, não posso de tanto rir!! Mas no fundo o assunto é sério, bastante sério!!! A minha vida aqui neste país onde vivo é tão mais simples. Sabes porquê??? Os bebés e criancinhas não são seguidos por nenhum pediatra!!! Enfermeira de familia que vem cá a casa quando os seres são muito pequeninos. Depois vão lá ao consultório da senhora mais umas quantas vezes pa ver se tudo está ok. Há problemas de saúde? Médico de familia que reencaminha para um pediatra se o problema assim se justificar. Há dúvidas? Liga-se à enfermeira ou ao médico de familia!! Simples!! Até porque uma consulta num pediatra nunca iria ficar por menos de 200 eur!! Não dá lá muito jeito lá ir todos os meses…
    Ah, quase me esquecia de dar os sinceros parabéns pelo blog!! Adoro, adoro e adoro!!

  3. Depois de ler o teu post sinto-me um bocado como tu ficaste depois de ler o livro…pediatra de desenvolvimento?? O que é isso rapaz??? Tá tudo louco???

    Foste à TV?

    • De facto, é verdade que parece andar tudo louco, mas não sei se é da pediatria de desenvolvimento, já existe há uns tempos. 😉

  4. Muito bom este texto. Concordo plenamente quando dizes “Há cada vez menos paciência para médicos que não olham para os pacientes, ou que tratem o conhecimento como uma espécie de informação codificada que o leigo não merece perceber.”. Pena que nem todos possamos (€) consultar “pediatras de desenvolvimento”.

  5. Sou médica de família num centro de saúde português. Não pretendo negar nada do que foi dito. Apenas fazer uma vénia ao Dr Brazelton e dizer que é possível (pelo menos tento, tentamos!) realizar uma Consulta (com C grande) de saúde infantil, dentro do serviço nacional de saúde, em que o desenvolvimento psico-motor é tão importante como o estaturo-ponderal. E que a família, e a agenda que nos traz para a consulta, é tão importante quanto tudo isso. Obrigada!

  6. Ao ler este post e os comentários já feitos percebo que sou uma sortuda. Sou de Castelo Branco e estou a ser seguida bem como a minha bebé no SNS. As consultas com a minha médica de familia têm quase sempre uma duração superior a 1h30. Antes de ser vista pela médica a minha menina é vista pela enfermeira que nos fala de tudo, desde o crescimento ao desenvolvimento. Pergunta inclusivamente como é a minha bebé em termos de feitio e comportamento. De seguida é atendida pela médica que coloca questões parecidas e nunca nos deixa ir embora sem perguntar pelo menos 3 vezes se temos alguma questão. Mostra-se muito disponivel e já houve vezes de ligar para o centro de saúde e pedir para falar com a médica e ela atende sempre e responde às minhas questões com simpatia.

    Estou a adorar este blog! Fantástico

  7. Olá, partilho inteiramente da sua visão quanto à pediatria e também estou fascinada com o livro que refere. Estou à procura de um pediatra que defenda esta visão mais global da pediatria mas sou do Porto e só encontro pediatras de Lisboa… Há algum nome que possa partilhar?

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